É, e será sempre, o ícone da arquitetura portuguesa. É conhecido nos quatro cantos do Mundo, através dos seus projetos únicos e do seu conhecimento profundo e invejável. Nos traços da sua viva, traz memórias irrepetíveis, mas recordáveis. Siza Vieira nasceu em 1933. Viveu duas fases políticas. Sentiu os receios da chegada de uma guerra – viu-a findar. Quando enveredou pela arquitetura vivia-se num país muito ‘fechado’ e com pouca informação. É da época em que a influência italiana, o neo-realismo e o conhecimento do Brasil, nos anos 50, se fez notar no país. Passou por várias crises académicas, depois do 25 de abril. Formou-se. Berlim foi o primeiro convite para trabalhar fora de Portugal. Seguiu-se a Holanda, nos anos 80. E nunca mais parou. Projetos não lhe faltaram. Ideias também não. Construiu um percurso narrado pela sabedoria. E, questionado sobre a «sustentabilidade na arquitetura», eis que nos deixa a sua opinião.
Como é que foram os primeiros projetos?
Esses projetos, quer em Berlim, quer depois na Holanda, eram temas que tinham que ver com zonas desfavorecidas, de cidades, e, em simultâneo, zonas de imigrantes – imigrantes que foram para a Alemanha, para a Holanda, e para outros países, fazer a reconstrução. Quando fui chamado estava a acabar essa grande movimentação de reconstrução e, portanto, os imigrantes já não eram desejados. Já havia conflitos ligados à imigração com uma pressão para eu sair. Trabalhei, em ambos os casos, nesse contexto.
Fernando Távora convidou-o para trabalhar com ele no início da sua carreira. Foi um reconhecimento do seu trabalho?
Não, não foi. Ele foi meu professor. E foi o primeiro professor que conversou comigo, se interessou e me ajudou, porque eu não queria seguir arquitetura. Não me interessava nada e não tinha conhecimento nenhum, nem nenhum contacto com nenhum arquiteto. Era uma desgraça. Ele foi o primeiro a interessar-se e a perceber que eu começava a interessar-me. Depois convidou-me. Mas o convite não foi por achar que eu era competente para trabalhar com ele, mas, sim, porque, em Matosinhos, havia dois estudantes: eu e o António Meneiros. O António Meneiros que até é parente da mulher do Távora. De modo que, quando lhe foi entregue a montagem da exposição, em Matosinhos, conhecia-nos e convidou-nos. Participámos na montagem dessa exposição. A seguir houve outra exposição em Guimarães. Ele gostou do nosso trabalho e convidou-nos para essa exposição. Depois, mais tarde, convidou-me para trabalhar no escritório. E trabalhei. Não só foi uma aprendizagem, como houve importantes oportunidades de trabalho em Matosinhos. Pela vida fora, trabalhei várias vezes com ele.
"Uma casa sustentável é uma casa confortável”
Entretanto, também montou o seu atelier.
Já tinha o meu espaço, que era uma sala por cima da Imperial, na praça onde, nessa altura, parava o carro. Era uma sala onde estávamos cinco estudantes. Ele convidou-me (o Távora). Estava eu a fazer a primeira obra, o primeiro projeto, em Matosinhos. Eram quatro casas na Avenida D. Afonso Henriques. Ficámos amigos. Viajávamos muito, com um pequeno grupo de amigos.
Depois, mais tarde, já no seu gabinete de arquitetura, também teve a trabalhar consigo, e ainda hoje trabalham em conjunto, em diversos projetos, o arquiteto Souto de Moura.
Nunca fui professor do Souto de Moura. Trabalhámos juntos. Trabalhou comigo uns quatro ou cinco anos. Depois formou o seu escritório.
E ainda continuam, hoje, a ter projetos juntos.
Fizemos em conjunto Santo Tirso, porque fomos convidados para fazer em conjunto. O pavilhão em Londres. O Souto de Moura é um dos integrantes do grupo dos viajantes. Eu e o Távora tínhamos os escritórios no centro do Porto, o trânsito era difícil para entrar e sair, e o Souto de Moura tinha um atelier no centro de Matosinhos, que, em termos de dimensões, já não servia. Nós fazíamos viagens com o Cavaca. Tínhamo-nos tornado grandes amigos. Alguém teve a ideia: «porque é que não compramos um terreno e fazemos um atelier? Fora do centro, mas não longe do centro». Juntámo-nos, e juntamos ao grupo um engenheiro, e ocupámos isto tudo (edifício dos ateliers). Quando reunimos, eu fiz o projeto, eu queria que fosse o Távora, que era o mais velho, mas ele não quis. Depois achava que devia ser o Souto de Moura, que era o mais novo, não pegou. Fiz eu. Foi divertido.
E partilham o mesmo edifício.
Este terreno era apetitoso. Não era só pela vista, que era melhor do que está hoje, mas, além disso, havia aqui ao pé uma fábrica, que era de ferro fundido, que já não funcionava e, no plano, seria um museu da indústria. Tinha um jardim grande, isto era impecável, mas o que é facto é que a determinada altura a fábrica ardeu e falou-se muito sobre esse fogo, mas, como recompensa, o dono teve autorização para fazer prédios mais altos que este. E vendeu o terreno. E o sonho do jardim e do museu foi-se.
"As condições de trabalho do arquiteto em obra pública é um desastre”
Como é que seria a casa ideal para si?
Acho que sou um cliente tão difícil que ninguém quer fazer (risos). Vivo numa casa feita pelo Souto de Moura e antes vivi na misericórdia. Vivi 40 anos nessa. Depois, quando vim para aqui (escritório Foz), o problema de trânsito continuava. Procurei casa e tive a sorte de arranjar uma do Souto de Moura aqui perto da Foz. É um T3. A minha filha vive lá também.
O que é para si a arquitetura sustentável?
A primeira coisa que digo é que é uma moda falar em arquitetura sustentável. É claro que a arquitetura tem de ser sustentável se não é um desastre (risos). Mas isso já é feito com a economia de energia, condições de isolamento térmico, painéis solares, etc. E, naturalmente, uma coisa que já não é seguramente regulamentada é a "qualidade”. Para não falar da "qualidade arquitectónica”, que essa não é uma questão de regulamento é uma questão de princípios.
Mas o que é isto de "construção sustentável”?
Na questão de materiais, a ecologia, talvez. Ligo mais a uma coisa que resultou em algo de bom para o país, do que a uma regulamentação, que exige, no fundo, condições de conforto. Fundamentalmente é ter uma casa confortável. Uma casa sustentável é uma casa confortável. Não exigir uma pesada manutenção, embora, na realidade, são mais os aspetos técnicos, regulamentados, que vingam. Porque outros aspetos muito urbanísticos que têm que ver com o mesmo não são tão cuidados.
Mas qual é a principal diferença da arquitetura sustentável?
É a mesma coisa. Trabalha-se com ingredientes ligeiramente diferentes, mas a arquitetura é arquitetura, tanto faz que seja em madeira, como em pedra, como em betão. É o problema da urbanização do espaço, de cumprimento de regras que garantam conforto, e os problemas energéticos. Agora usa-se muito, sobretudo na publicidade das imobiliárias, "casas sustentáveis”. Mas as imobiliárias, há uns anos atrás, o que contava era um quarto de banho, o ascensor e a cozinha em mármore, o resto toca a andar. Quando comecei a trabalhar quase que não existia a regulamentação, no entanto, construía-se bem, porque se construía pouco. Havia ‘brio’ da parte dos construtores.
"O exercício da nossa profissão está de rastos”
E agora não há esse ‘brio’. A construção já não é tão boa?
Há boa e há má. Depende da exigência e da capacidade de exigir respostas à exigência. Isso depende muito do valor de obra. O dono é o primeiro arquiteto. Se o dono não quer qualidade não se consegue. E na obra pública, muitas vezes, o interesse é o corte da fita. E, depois, as condições pioraram muito. Tirando que, havia poucos arquitetos, agora há muitos, até provavelmente há demais. No fundo essa ampliação da atividade, incluindo o arquiteto, foi muito importante. Há sempre uma melhoria. Mas há outros aspetos muito negativos. Para começar, nós: as condições de trabalho do arquiteto em obra pública é um desastre. Agora, há princípios assumidos, que são suicídios arquitetónicos. Também há lá fora, não é só em Portugal. Essa crise parte logo da comunidade europeia. A livre concorrência é o remédio para tudo. Não há regras que possam mudar os arquitetos e há gente a trabalhar, por um lado, e o que custa hoje a elaboração do projeto, de um estúdio de arquitetura, é tremendo. E, agora, ultimamente, instituiu-se que os projetos ou vão a concurso, e nem sempre os resultados do concurso são bons, é visível, ou, se for por entrega direta, por escolha da autarquia, o limite dos honorários é, acho que, de 65.000 €, seja para o trabalho que for. As instruções que têm na obra pública são que, por entrega direta, só se dá 65.000€. Isso dá origem a subterfúgios, que chegam a ter uma imagem de corrupção, e, muitas vezes, não são subterfúgios para conseguir. Houve uma decisão que era: "a execução seria entregue ao preço mais barato”. Isso então é incrível. E custa muito ao país. Porque a qualidade ardeu. Até porque há bastante competição na construção, sobretudo em Lisboa. Hoje, os preços estão baratos. E, há pouco tempo, as câmaras, por exemplo, não entregavam ao empreiteiro mais caro, nem ao mais barato. Agora é ao mais barato. O projeto que fiz, o último, demorou 20 anos, desde que foi entregue o projeto até estar construído. Porque os empreiteiros dão preços impossíveis. Na altura, sobretudo, em que havia pouco trabalho. Pelo menos recebiam a primeira tranche e, depois, não conseguiam e abandonavam. Depois era preciso abrir outro concurso, e um concurso leva, em média, seis meses e, às vezes, pedem um projeto em menos de seis meses, mas os concursos de construção levam seis meses, porque é comunitária e a carga de democracia é uma coisa incrível. Ora, o exercício da nossa profissão está de rastos.