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Ana Borges

"Tenho muita dificuldade em recusar projetos”

F. João Pedro Domingos
"Realizamos sonhos”, lê-se à entrada do atelier Ana Borges Interiores, ali, no número 128 da Rua Marquês Pombal, nos arredores de Lisboa. É uma entrada marcante, para quem confia o projeto de uma vida a esta equipa. Ao redor, há amostras de têxteis e uma estante com um conjunto de livros que evidenciam o propósito do espaço. Picasso é um dos títulos que atrai o olhar, um livro aparentemente metódico e exigente. Ana pode não ser Picasso, mas irrefutável é a sua compatibilidade com procedimentos. Diz ser "picuinhas” e "intensa”, deixando um pouco de si em cada projeto que se propõe fazer. Ao pé da loja, guarda o seu atelier de confeção, que serve como apoio ao projeto que lidera há mais de duas décadas. Ao longo dos últimos anos, tem-se feito valer do seu conhecimento e sensibilidade para pôr mãos à obra e criar espaços com alma, que o diga um dos designers mais aclamados do mundo, Philippe Starck, que a desafiou a decorar uma das suas casas em território português. Segue-se uma conversa sem filtros, com um brilho nos olhos, de quem fala, para quem ouve (e lê).
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É licenciada em Ciências Históricas, com especialização em História de Arte. Como é que surgiu a paixão pelo design de interiores?
A paixão surge antes da licenciatura. Quando fui para a faculdade, decidi ingressar em História da Arte, porque fui influenciada pela minha família a seguir uma carreira com futuro, ou seja, uma que não fosse ligada às artes. A verdade é que o mundo artístico é muito efémero – às vezes, consegue-se singrar; outras vezes, não – e ter uma profissão dita "normal”, com subsídio de Natal, subsídio de férias e reforma é importante. E, nesse tempo, a área da decoração estava pouco desenvolvida. Ao mesmo tempo, fugi da arquitetura para evitar a matemática. Por isso, com 18 anos, ingressei no curso de história por uma questão de cultura geral, mas não era aquilo que eu queria fazer da vida. Cinco anos depois finalizei a licenciatura. Acabei por dar aulas durante seis meses e, depois, enveredei por uma carreira comercial, enquanto diretora comercial de uma empresa – estatuto esse que me permitiu ter um salário simpático e, claro, conquistar maior independência. Depois desta fase da minha vida, sim, pude começar a fazer as minhas escolhas, que incluíam fazer aquilo de que mais gosto: design de interiores. Na altura em que me casei, lembro-me de que fui eu que decorei a minha própria casa. Os amigos começaram a reparar na decoração que eu fazia e acabavam por me pedir ajuda para decorar as suas casas. Foi assim que, de facto, comecei, de um modo autodidata, mas que sabia que era o caminho certo. Ambicionei, arrisquei e investi.  

Foi desde pequena que notou que tinha uma tendência para a decoração? Quais foram os indícios? 
Quando fiz 18 anos, recebi uma máquina de costura como prenda de aniversário, depois de ter pedido encarecidamente à minha mãe que me desse uma. Naquele tempo, já gostava de criar, de fazer as minhas malas, de apertar e costurar as minhas roupas... Adorava tudo o que fosse tecido, então a máquina de costurar era um brinquedo fabuloso. Quando levava uma mala nova para a faculdade, as minhas colegas suspeitavam logo de que tivesse sido eu a fazê-la.  

Fundou a Ana Borges Interiores há mais de 25 anos. Como tem sido esta jornada pelo universo de interiores?
A jornada pelo universo de interiores foi sempre muito sustentada. Caminhando devagarinho, um passo de cada vez, temos vindo a responder aos desafios que os clientes nos impõem, com qualidade e profissionalismo.
Em 2008, houve uma grande crise económica, com muitas empresas a não conseguirem manter-se no mercado, e nós, como trabalhávamos com capitais próprios, resistimos. Estávamos um pouco em contraciclo. Acabámos por crescer, apanhando um tipo de mercado que, até ali, não tínhamos. O número de anos em que temos estado presentes no mercado também permite que as pessoas nos referenciem. No fundo, todos estes fatores foram contribuindo positivamente para o nosso crescimento, permitindo-nos dar resposta às necessidades do cliente, que nos foram lançando desafios, aos quais nós, por norma, fomos respondendo. 

Tem dificuldade em recusar projetos?
Tenho muita dificuldade em recusar projetos, por vários motivos. A equipa chegou até aqui pelo apoio e confiança que os clientes depositaram em nós. Eu sei que as pessoas, quando chegam até nós, são sempre de confiança, sabendo já como é que funcionamos e qual a nossa postura no mercado. E, portanto, há sempre a questão de respeitar o cliente que nos recomendou, sem esquecer o quão efémero é o mercado, com as suas curvas e crises. Muitas vezes há coisas que, no momento, não me compensam minimamente fazer, mas, por uma questão de coerência e respeito, quase nunca digo que não. 

Estamos a falar de um perfil de consumidor de que género? Quem consome Ana Borges Interiores?
São vários tipos de cliente e, ultimamente, as zonas de Setúbal e Palmela têm sido as áreas de maior solicitação de projetos. Tanto temos o consumidor que nos segue há muitos anos e que, de repente, precisa de alterar uma cama porque a criança cresceu, como nos aparece o cliente que quer um projeto chave na mão e não se quer preocupar com mais nada. Temos sido também muito requisitados por estrangeiros. 

Quais são os cuidados a ter na conceção de um projeto?
É por etapas. Primeiro, temos uma reunião com o cliente. Percebermos as suas expectativas, necessidades e, eventualmente, o orçamento que tem em mente, de forma a nos conseguirmos alinhar com os fornecedores mais indicados para o propósito, dependendo da gama solicitada. Neste seguimento, acabamos por vestir um pouco a pele do cliente, percebendo as suas aspirações, que podem percorrer desde o estilo clássico ao minimalista, do floral ao geométrico... Como complemento a esta personalização, incorporamos sempre a tendência, pelo que, no meio, há sempre o cuidado de atualizar e questionar o cliente sobre opções que possamos apresentar. Dá-se também a fase da encomenda, receção dos materiais, distribuição e, por fim, colocação dos materiais no espaço. Ressalvo que estes processos, muitas vezes, não dependem só da equipa, já que há terceiros envolvidos e é necessário articular para que tudo decorra dentro do prazo estipulado. Os clientes têm sempre imensa pressa, quando se trata deste tipo de projetos.

"Tento antecipar todas as falhas que possam surgir”
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Então é sempre um trabalho sob pressão?
Sempre. Às vezes até brincamos com a situação e dizemos que, tal como uma triagem, há projetos com etiquetas verde, laranja e vermelha, dependendo do timing exigido pelo cliente que, por norma, é curto. 

É tarefa fácil acompanhar as mudanças constantes dos tempos e as demandas dos clientes?
Não é muito fácil. Costumo fazer uma analogia entre designers de interiores e atores. Os atores rapidamente passam de heróis a vilões, isto é, mudam drasticamente de personagens, assim como um designer de interiores, que tem de fazer muita pesquisa para se enquadrar num projeto que possivelmente nada teve que ver com o anterior que realizou. É um trabalho que exige muita pesquisa.  

Costumam estar sempre presentes em feiras?
Sim. Infelizmente, a nível nacional há pouca e fraca oferta, mas em Itália há boas montras, assim como em Valência. Vamos bebendo inspirações daqui e dali, e acompanho sites internacionais de países como os Estados Unidos, o Canadá e o Brasil. O Brasil sempre foi bom em termos de decoração e é nos Estados Unidos onde tudo se passa. 

A casa tem hoje a mesma simbologia que há 20 anos?
Penso que a simbologia se alterou. Na altura em que me entrosei na área, a casa era quase intocável. A sala só era usada no Natal e em aniversários, quase como uma casa-museu, mas hoje já não é assim. Atualmente, as pessoas querem casas práticas e funcionais, dando utilidade a toda e cada divisão. A tendência passa por cozinhas americanas, open space, que estão abertas para a sala de forma a gerar convívio. E, portanto, acho que a filosofia da casa e o modo como a vivemos têm vindo a ser alterados significativamente. Senti que, depois da pandemia, as pessoas apostaram em espaços exteriores, com um pequeno jardim, uma cadeira relax e uma mesinha para tomar o pequeno-almoço. Muitas estiveram confinadas durante muito tempo, daí a crescente necessidade.  

Por curiosidade, qual é a divisão da casa que mais gosta a Ana de decorar?
Depende do tipo de casas e do espaço que há. Eu gosto muito de salas, até porque normalmente dá para se criar mais do que um ambiente no espaço. É também a zona onde as pessoas mais convivem e vivem. Gosto especialmente de projetar cozinhas, porque as faço à minha medida, como se fossem para mim. Confesso que não sou fã de cozinhas americanas.  

A Ana é a portuguesa que decorou a casa de um dos designers mais famosos do mundo. Há margem de erro para este tipo de solicitações?
Erros da nossa parte não. Eu sou muito exigente, erro como toda a gente, mas tento antecipar todas as falhas que possam surgir antes de chegar às mãos do cliente, mesmo que isso signifique prejuízo para a empresa. Se eu assumo o projeto, é assim que vai funcionar, pelo que tento sempre alcançar a perfeição. Os contratempos podem é surgir, por exemplo, com o gosto pessoal de cada um, até porque está relacionado com as vivências e expectativas que se põem naquilo que se interpreta como bonito e funcional. Com o Philippe Starck funcionou da seguinte forma: se ele ficasse satisfeito com o nosso trabalho, teria outro desafio para nos lançar. Foi ele quem escolheu tudo, inclusive os tecidos. Acabamos, depois, por ser convidados para um segundo projeto e correu tudo muito bem.

"É sempre tudo uma questão de perspetiva”
F. Direitos Reservados
Ficou satisfeita com os dois projetos que elaborou para o Philippe Starck? 
Fiquei. 

Foram os melhores que a equipa já projetou? 
Não. 

Qual é o estilo da Ana Borges Interiores?
As pessoas dizem que há um estilo específico, que quando veem projetos conseguem identificar os que são Ana Borges. Diria que, se calhar, é a alma que os identifica como sendo meus. A alma que fica em todos eles, apesar de serem diferentes. Isso é bom, mas, de facto, não há uma cor ou uma figura geométrica que defina o meu estilo.  

Diz que decora casa de portugueses, mas principalmente de estrangeiros. É grande a responsabilidade de conceber espaços que vão determinar a ligação do cliente a Portugal? Sim, aliás, os próprios clientes pedem essa "ligação” com Portugal. Quando vêm para cá, procuram incluir características portuguesas na decoração das suas casas. 

Qual é o elemento de design mais identitário da cultura portuguesa?
Acredito que seja o azulejo, um elemento que nos identifica a nível mundial e que é hoje adaptado ao próprio mobiliário.  

Se pudesse escolher um estilo artístico ornamental, qual seria?
Arte Nova. 

Quais são as tendências para 2024?
Tons pêssego marcam o ano de 2024. Estamos também a entrar no maximalismo, através do qual se espera mais cor e poluição visual. Mas eu acho que as pessoas gostam de coisas acolhedoras, quentes, luminosas e práticas. Portanto, tirando uma situação ou outra que se goste de um estilo mais robusto, penso que as pessoas querem uma casa que não careça de muita manutenção, simples e requintada. As tendências que se absorvem nas feiras são bonitas, quando se veem aplicadas num restaurante ou numa loja, mas não diria que fossem ideais para o dia a dia porque podem tornar-se cansativas, massudas. Os clientes pedem-me com frequência interiores que não fartem. 

No mundo de interiores, tudo é uma questão de perspetiva?
Creio que é sempre tudo uma questão de perspetiva. Falamos, pois, de subjetividade. Por exemplo, há casas que eu própria projetei, mas onde não gostaria de viver. Em simultâneo, vejo que funciona com o cliente e que vai de encontro às suas necessidades. Ou seja, é uma questão de perspetivas, a não ser que seja um projeto mal feito, elaborado por alguém sem conhecimentos na área. De resto, se a pessoa vive bem com a sua casa, não nos cabe a nós definir o projeto como falho.   

Quais são os projetos futuros para a Ana Borges Interiores?
Nós temos um quadro onde estão expostos os projetos atuais, não os trabalhos futuros. Apostamos no presente e tentamos evoluir com ele, acompanhando as tendências. Os projetos vão aparecendo e têm sido em grande número. De resto, é continuar com a mesma filosofia de vida e apostar em gente nova para prosseguir e dar continuidade às ideias, até porque eu já estou a entrar na fase dos 60... Repare, este ano foi o único da minha vida em que eu deixei de trabalhar ao sábado. A equipa só trabalha ao sábado por agendamento, mas há sempre muita procura para esse dia. A área de interiores exige muita disponibilidade, disponibilidade também mental, porque é uma vertente que cansa bastante... Muito pormenor, muito material, muita decisão. Mas, enfim..., temos coisas giras em mãos, daí o futuro também não me assustar, assim como clientes que nos requerem sempre. Começamos também a fazer trabalhos para a empresa Parques de Sintra, que faz toda a gestão do património do Palácio da Pena e para a qual nós temos sido sempre escolhidos para colaborar. Penso que estamos bem.
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Joana Rebelo
T. Joana Rebelo

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