Fundado em 1993, o gabinete Oito em Ponto tem como responsáveis Artur Miranda e Jacques Bec, ambos com personalidades distintas, que se completam na realização de projetos de recuperação de imóveis e decoração. A perfeição à qual se exigem não deixa nada ao acaso, sendo nos detalhes que está o valor desta dupla que, recentemente, desmanchou o interior de uma casa de campo em Saint Tropez, transformando o que era insípido num espaço singular, batizado de Château Saint-Maur. Com muitos projetos, nacionais e internacionais já assinados, este, em particular, originou um livro, onde estão registados momentos e peripécias desta casa que agora conta uma história.
Como aconteceu o convite para recuperarem o Château Saint-Maur?
Já tínhamos trabalhado com este cliente na Quinta do Pessegueiro, no Douro, em que a casa, por fora, ficou como estava e respeita a envolvência que é património da UNESCO. Mas, por dentro, criámos uma história, não reabilitamos, fizemos de novo. E também reabilitamos outra casa em Saint Tropez, e acabámos por ficar amigos. Ele foi comprando terrenos naquela região de França, fértil em vinha, porque em Portugal já tinha os vinhos Quinta do Pessegueiro, e, num desses terrenos, estava aquilo a que os franceses chamam bastide, uma casa de campo típica com adega e caves.
Que características tinha essa casa?
A casa estava um cadafalso, condenada à morte, o proprietário sabia que era feia, mas achava que tinha charme e quis recuperar. Pediu, para além de nós, mais duas opiniões. Entre elas, havia quem entendesse deitar tudo abaixo. O Oito em Ponto conta a história do espaço recriado, deixando o essencial, e, como storytellers, achámos que não tinha lógica arrasar com a casa e propusemos obras que se verificaram dantescas. Foi um desafio. O proprietário gostou da nossa proposta e ficámos com o projeto.
E começou uma história arrebatadora até à palavra "fim”?
Sem dúvida, o terreno onde está a casa tem 160 hectares de vinha e há cerca de dois hectares onde está implementada a casa, com todas as infraestruturas à volta que existiam: casa principal, capela, pombal, os sítios onde se guardavam as ovelhas e os porcos, que nós transformámos numa bergerie, com piscina, que acabou por ficar com 30 metros, e a pool house. Fizemos também uma discoteca e recuperámos as casas todas que eram dos caseiros. A adega foi deslocada e fizemos outro edifício onde o vinho Château Saint-Maur é produzido, e a casa principal passou a ser o sítio de receber, quer sejam amigos, clientes, ou só apreciadores. Cada vez mais, o vinho é vendido como lifestyle, as pessoas querem experienciar momentos.
«A CASA ESTAVA UM CADAFALSO, CONDENADA À MORTE»
Esse trabalho demorou quanto tempo?
Entre a primeira vez que fomos visitar o espaço, até entregarmos, chave na mão, com decoração, velas e outros mimos, como a despensa cheia, demorou cerca de cinco anos. Logo no início, o proprietário levou lá uns amigos, que olharam para nós com o ar mais complacente deste mundo e nos desejaram muita sorte. A casa era muito feia e tinha levado obras à imagem de outras épocas e anteriores proprietários, havia divisões por todo o lado.
Ao desmancharem o interior da casa, o que encontram?
Quando começámos a escavacar, tivemos situações inacreditáveis. A casa não tinha entrada, hoje tem; tivemos de escorar todo o interior, porque partimos o centro da casa de cima a baixo, parecia que tinha entrado uma bomba, e houve um dia em que pensámos que ia ruir. Ocorreu também o momento em que caiu o único estuque, que queríamos manter – estava na antiga adega –, agora é a sala de verão. Essa sala ficou com os cantos recortados, é um hexágono, porque não foi possível de outra maneira; depois de dois pedreiros estarem três meses a tentarem desfazer as cubas que existiam em betão armado, percebemos que não seria possível, por isso, resolvemos aparar os cantos e ficou assim. Tudo ali era confuso, ao longo dos anos, houve paredes levantadas e outras deitadas abaixo, a casa ficou um labirinto, havia divisões feitas de bocados de madeira e tecido. Mas fizemos algo impensável, transformamos o oratório, da antiga proprietária, que estava num quarto, na casa de banho do quarto principal, até ficou com lareira e uma banheira imensa. Houve muitas peripécias e tudo fez parte deste percurso.
Quando terminaram, o que sentiram?
Como em qualquer obra nossa, fizemos o luto. Nesta casa em particular, foi um luto fácil, porque somos muito amigos do proprietárioe continuamos a visitá-la. Quando terminámos, olhámos para tudoe,como sempre, encontramos defeitos, para nós, porque somos muito perfecionistas, achamos sempre que podíamos fazer melhor. Mas numa obra há calendário e temos de tomar decisões. Foram momentos excecionais, divertidos, apesar de grande tensão. Só três meses antes de concluída é que tivemos a perceção de obra realizada.
«NÓS QUISEMOS QUE, NO FINAL, TIVESSE TRADIÇÃO»
O nome da casa já existia ou foi inspiração vossa?
Nós chamamos-lhe Château Saint-Maur devido ao vinho. Aquilo não era um castelo, era uma casa grande, nós quisemos que, no final, tivesse tradição, porque apesar de muito antiga estava vazia de história, era insípida.
A vossa história com a Château Saint-Maur ficou imortalizada num livro.
Nós nunca registamos quase nada do que fazemos, mas aquele trabalho teve tantas peripécias que íamos tirando fotos que enviávamos para uma amiga que as mostrou à Flammarion, uma prestigiada editora de livros, logo houve interesse e convidaram-nos para fazer uma monografia. É um livro sobre uma casa arquitetada e decorada, sendo uma fonte de inspiração para outros.
Foi um marco na vossa carreira, mas há outros, pode destacar alguns?
Esta obra é uma das mais recentes. Temos um percurso, a nível internacional, de muitos trabalhos em Angola, principalmente Luanda; São Paulo, no Brasil; Ibiza, em Espanha, Paris, em França; Londres, em Inglaterra; e estamos agora com um trabalho em Riad, na Arábia Saudita. Em Portugal, temos muitos, mesmo, no Porto, em Braga e Guimarães, no Douro, em Lisboa e Cascais.
«SOMOS UNS ‘REINTERPRETADORES’ DO PASSADO»
Fazem casas, que também decoram, que contam histórias, qual é a vossa?
Eu e o Jacques Bec somos uns eternos curiosos, apaixonamo-nos por tudo e temos fascínio pelo passado, porque a melhor maneira de enfrentarmos o presente é sabermos lidar com o passado. Somos uns ‘reinterpretadores’ do passado. Criamos situações contemporâneas, singulares e originais que juntamos àquilo que os sítios nos inspiram. A minha experiência vem da moda e do design,que conjugada com o know-how francês do Jacques e com o seu grande conhecimento em artes gráficas, na especialidade de designer, resulta muito bem. Mas, acima de tudo, gostamos de construir histórias. É um trabalho de curadoria. Criamos espaços únicos, alegres, distintos, onde jogamos muito com a iluminação para conceber ambientes intimistas ou brilhantes. Deixamos a imaginação fluir e criamos espaços que vão perdurar no tempo.
Como aconteceu o convite para recuperarem o Château Saint-Maur?
Já tínhamos trabalhado com este cliente na Quinta do Pessegueiro, no Douro, em que a casa, por fora, ficou como estava e respeita a envolvência que é património da UNESCO. Mas, por dentro, criámos uma história, não reabilitamos, fizemos de novo. E também reabilitamos outra casa em Saint Tropez, e acabámos por ficar amigos. Ele foi comprando terrenos naquela região de França, fértil em vinha, porque em Portugal já tinha os vinhos Quinta do Pessegueiro, e, num desses terrenos, estava aquilo a que os franceses chamam bastide, uma casa de campo típica com adega e caves.
Que características tinha essa casa?
A casa estava um cadafalso, condenada à morte, o proprietário sabia que era feia, mas achava que tinha charme e quis recuperar. Pediu, para além de nós, mais duas opiniões. Entre elas, havia quem entendesse deitar tudo abaixo. O Oito em Ponto conta a história do espaço recriado, deixando o essencial, e, como storytellers, achámos que não tinha lógica arrasar com a casa e propusemos obras que se verificaram dantescas. Foi um desafio. O proprietário gostou da nossa proposta e ficámos com o projeto.
E começou uma história arrebatadora até à palavra "fim”?
Sem dúvida, o terreno onde está a casa tem 160 hectares de vinha e há cerca de dois hectares onde está implementada a casa, com todas as infraestruturas à volta que existiam: casa principal, capela, pombal, os sítios onde se guardavam as ovelhas e os porcos, que nós transformámos numa bergerie, com piscina, que acabou por ficar com 30 metros, e a pool house. Fizemos também uma discoteca e recuperámos as casas todas que eram dos caseiros. A adega foi deslocada e fizemos outro edifício onde o vinho Château Saint-Maur é produzido, e a casa principal passou a ser o sítio de receber, quer sejam amigos, clientes, ou só apreciadores. Cada vez mais, o vinho é vendido como lifestyle, as pessoas querem experienciar momentos.
«A CASA ESTAVA UM CADAFALSO, CONDENADA À MORTE»
Esse trabalho demorou quanto tempo?
Entre a primeira vez que fomos visitar o espaço, até entregarmos, chave na mão, com decoração, velas e outros mimos, como a despensa cheia, demorou cerca de cinco anos. Logo no início, o proprietário levou lá uns amigos, que olharam para nós com o ar mais complacente deste mundo e nos desejaram muita sorte. A casa era muito feia e tinha levado obras à imagem de outras épocas e anteriores proprietários, havia divisões por todo o lado.
Ao desmancharem o interior da casa, o que encontram?
Quando começámos a escavacar, tivemos situações inacreditáveis. A casa não tinha entrada, hoje tem; tivemos de escorar todo o interior, porque partimos o centro da casa de cima a baixo, parecia que tinha entrado uma bomba, e houve um dia em que pensámos que ia ruir. Ocorreu também o momento em que caiu o único estuque, que queríamos manter – estava na antiga adega –, agora é a sala de verão. Essa sala ficou com os cantos recortados, é um hexágono, porque não foi possível de outra maneira; depois de dois pedreiros estarem três meses a tentarem desfazer as cubas que existiam em betão armado, percebemos que não seria possível, por isso, resolvemos aparar os cantos e ficou assim. Tudo ali era confuso, ao longo dos anos, houve paredes levantadas e outras deitadas abaixo, a casa ficou um labirinto, havia divisões feitas de bocados de madeira e tecido. Mas fizemos algo impensável, transformamos o oratório, da antiga proprietária, que estava num quarto, na casa de banho do quarto principal, até ficou com lareira e uma banheira imensa. Houve muitas peripécias e tudo fez parte deste percurso.
Quando terminaram, o que sentiram?
Como em qualquer obra nossa, fizemos o luto. Nesta casa em particular, foi um luto fácil, porque somos muito amigos do proprietárioe continuamos a visitá-la. Quando terminámos, olhámos para tudoe,como sempre, encontramos defeitos, para nós, porque somos muito perfecionistas, achamos sempre que podíamos fazer melhor. Mas numa obra há calendário e temos de tomar decisões. Foram momentos excecionais, divertidos, apesar de grande tensão. Só três meses antes de concluída é que tivemos a perceção de obra realizada.
«NÓS QUISEMOS QUE, NO FINAL, TIVESSE TRADIÇÃO»
O nome da casa já existia ou foi inspiração vossa?
Nós chamamos-lhe Château Saint-Maur devido ao vinho. Aquilo não era um castelo, era uma casa grande, nós quisemos que, no final, tivesse tradição, porque apesar de muito antiga estava vazia de história, era insípida.
A vossa história com a Château Saint-Maur ficou imortalizada num livro.
Nós nunca registamos quase nada do que fazemos, mas aquele trabalho teve tantas peripécias que íamos tirando fotos que enviávamos para uma amiga que as mostrou à Flammarion, uma prestigiada editora de livros, logo houve interesse e convidaram-nos para fazer uma monografia. É um livro sobre uma casa arquitetada e decorada, sendo uma fonte de inspiração para outros.
Foi um marco na vossa carreira, mas há outros, pode destacar alguns?
Esta obra é uma das mais recentes. Temos um percurso, a nível internacional, de muitos trabalhos em Angola, principalmente Luanda; São Paulo, no Brasil; Ibiza, em Espanha, Paris, em França; Londres, em Inglaterra; e estamos agora com um trabalho em Riad, na Arábia Saudita. Em Portugal, temos muitos, mesmo, no Porto, em Braga e Guimarães, no Douro, em Lisboa e Cascais.
«SOMOS UNS ‘REINTERPRETADORES’ DO PASSADO»
Fazem casas, que também decoram, que contam histórias, qual é a vossa?
Eu e o Jacques Bec somos uns eternos curiosos, apaixonamo-nos por tudo e temos fascínio pelo passado, porque a melhor maneira de enfrentarmos o presente é sabermos lidar com o passado. Somos uns ‘reinterpretadores’ do passado. Criamos situações contemporâneas, singulares e originais que juntamos àquilo que os sítios nos inspiram. A minha experiência vem da moda e do design,que conjugada com o know-how francês do Jacques e com o seu grande conhecimento em artes gráficas, na especialidade de designer, resulta muito bem. Mas, acima de tudo, gostamos de construir histórias. É um trabalho de curadoria. Criamos espaços únicos, alegres, distintos, onde jogamos muito com a iluminação para conceber ambientes intimistas ou brilhantes. Deixamos a imaginação fluir e criamos espaços que vão perdurar no tempo.