A desenhar desde os primeiros anos de idade, João de Sousa Rodolfo projeta casas que respiram, absorvidas pela envolvência e encaixadas na personalidade de quem lá vive. No seu atelier, perto do mar, no Estoril, a equipa da Traçado Regulador realiza com paixão todos os desafios, comemorando projetos recebidos e executados. Licenciado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica, é Mestre em Teoria da Arquitetura e autor de várias publicações entre as quais destacamos o livror Luís Cristino da Silva e a Arquitectura Moderna em Poprtugal. Na sua vasta carreira existem centenas de trabalhos em diversas áreas, mas as casas que desenha, em traço contemporâneo, são a sua melhor apresentação, e o bem-estar dos clientes, o seu maior prémio.
O que é que carateriza os seus projetos?
É sem dúvida uma linguagem contemporânea, despida de qualquer carga decorativa, tentando sempre ser o mais simples possível e responder a um programa, um sítio ou um local. É uma linguagem, um pouco sem referências, que não sejam as da envolvente física e cultural, e que procura integrar-se na envolvente absorvendo as suas referências, em termos de materiais, cores, texturas e volumetria.
Neste momento vemos a sua assinatura mais em casas. Foi uma opção?
Dizem que as casas são os projetos malditos dos arquitetos por serem pequenos e extremamente trabalhosos, mas, por circunstâncias várias, entre as quais a crise económica de 2011, são os projetos que mais realizamos. Fazia equipamentos e, uma vez, publiquei uma foto de uma moradia no Facebook e foi uma surpresa, choveram likes, e aconteceram muitos projetos. Não forcei para que acontecesse e era algo que não gostava muito, por serem adaptados a um programa específico e único, muito diferente de fazer um edifico de habitação coletiva. Nas casas trabalhamos para uma família, com todas as suas referências e vivências, e isso faz com que não haja duas casas iguais.
As suas casas misturam-se e absorvem o ambiente. Isto é uma preocupação?
A vivência de uma moradia tem muito da relação com o exterior, não sendo preciso estar no exterior para o sentir, e isso torna a existência mais feliz. Já tivemos de fazer uma casa para uma cliente agorafóbica, que sente ansiedade em espaços abertos, mas o marido é claustrofóbico, isto é, de um lado fecha e do outro abre. Fazer uma casa que se abra ao exterior, fechando-se, é um desafio tremendo e a opção foi uma casa com uma relação contida com o exterior, através de envidraçados que se abrem para jardins interiores ou semi-interiores.
Podemos identificar a arquitetura como arte?
A arquitetura é a arte de manipular a geometria dando significado e suporte material, e isto quer dizer que a arquitetura apela às emoções, nós manipulamos emoções, e o suporte material é a técnica que está na base da produção do objeto arquitetónico. Mas é uma arte condicionada, tem variáveis que nunca mais acabam, onde encontramos o complexo âmbito legislativo, por vezes pouco explícito ou mesmo contraditório, os desejos, anseios e vivências do cliente, o seu budget e as variáveis das várias engenharias que intervêm no projeto.
Quais os materiais e cores de que mais gosta e com que mais se identifica?
Como a maioria dos arquitetos, gosto do branco e gosto da autenticidade dos materiais, das madeiras, da pedra e do vidro, com o seu jogo de transparências e reflexos.
"A vivência de uma moradia tem muito da relação com o exterior, não sendo preciso estar no exterior para o sentir, e isso torna a existência mais feliz”
As variáveis ambientais e a sustentabilidade estão também presentes nos seus projetos?
Sim. Em primeiro lugar, a casa tem de ser eficiente em termos energéticos. Isto implica a correta gestão dos envidraçados, da proteção solar, do isolamento térmico, dos sistemas de climatização e da produção autónoma de energia, com utilização de energias renováveis. Todas as casas que projetámos obtiveram classificação A+. Também aproveitamos a água das chuvas: quer a que cai sobre a cobertura e pátios, quer a água drenada em torno das fundações é encaminhada para um depósito e utilizada para rega. E temos a preocupação de usar materiais que sejam recicláveis.
Gosta mais de recuperar ou de um projeto de raiz?
Claramente gosto mais de fazer de raiz, mas também fazemos muita reabilitação, o que não é tão visível. Estamos a reabilitar um quarteirão inteiro (quase), no centro de Lisboa, em Arroios, um edifício classificado no Braço de Prata e alguns edifícios perto da Avenida da Liberdade. Neste momento temos em curso, entre projetos e obras, mais de cinquenta trabalhos, o que gera um bom stress numa equipa fantástica. Sentimos o trabalho a fervilhar e isto, para nós, é muito gratificante, estimula a criatividade que traz o reconhecimento público.
Escreveu sobre Luís Cristino da Silva por se identificar com a sua obra?
Foi na sequência de um trabalho académico que resultou o livro sobre Luís Cristino da Silva e a Arquitetura Moderna em Portugal, e tem sido bastante útil. Temos feito muita reabilitação no centro histórico de Cascais e utilizamos o livro como avaliação da arquitetura modernista, que foi feita nesta zona e amplamente estudada por mim. A minha obra reflete esse período dos anos trinta e quarenta do séc. XX, a arquitetura do Estado Novo, e tem sido útil porque o suporte histórico que trago à justificação de alguns projetos é extremamente forte.
Diverte-se a trabalhar?
Divirto-me imenso, tenho uma equipa de doze pessoas excecionais e temos uma norma obrigatória: comemoramos todos juntos, desde a angariação à aprovação de um projeto, almoçamos e brindamos. Trabalhamos com imensa alegria e ótima disposição. Todos aqui temos a vida que gostávamos de ter, sofremos de bom stress e somos felizes.
Como surgiu a vontade de ser arquiteto?
Surgiu muito cedo, na escola primária já desenhava e tínhamos um amigo chegado cuja personalidade me marcou, o arquiteto Cândido Palma de Melo, uma referência do modernismo português. E a admiração por ele e o jeito para desenhar decidiram o meu trajeto profissional. Sei que tenho uma grande facilidade de inventar e de criar e facilidade de cálculo. O cálculo matemático e o raciocínio espacial estão, de certa forma, aliados e, quando nós conseguimos associá-los à criatividade teremos um bom resultado. A arquitetura encaixa em mim que nem uma luva – não me imagino a fazer outra coisa.