É um nome singular no design e na arquitetura internacional. Dos seus esquiços saem obras de arte que se aninham no ambiente. Já desenhou sanitários que são referência a par com o candeeiro Pilo, um registo na sua carreira que faz parte da exposição permanente do Chicago Athenaeum Museum of Architecture and Design. Mas é nas casas que José Carvalho Araújo deixa a sua alma. Nascido em Braga, o arquiteto internacionalizou o atelier que leva o seu nome, e, no Brasil, vai fazendo crescer a sua consagrada carreira. Por detrás da Galeria Mário Sequeira, da Casa do Gerês e da Quinta de Lemos, e muitas outras obras, está um homem que vive com paixão e com um sentido de humor incontornável.
A internacionalização no Brasil foi uma oportunidade ou um acaso?
O Brasil seduzia-me. Houve uma primeira possibilidade para criar uma obra, através de um concurso, que acabámos por não ganhar, porque não dávamos garantias de acompanhamento. Era um edifício de excelência, em termos de qualidade, e fomos muito reconhecidos. Foi a partir daí que resolvi abrir um atelier em São Paulo para ter acesso a obras diferentes e numa escala que, em Portugal, ainda não existe.
E foi assim que projetou o Museu de Imagem e Som do Ceará?
Sim. O museu vai ser inaugurado em breve. Já devia ter sido, mas esta pandemia está a atrasar tudo. A nossa preocupação foi dialogar com um conjunto arquitetónico e, ao mesmo tempo, criar algumas provocações. Pretende ser o contrário do que encontramos no convencional, porque é um espaço aberto que respira. É uma pequena praça que remata em vertical numa enorme tela, onde se vão projetar imagens, e tem pequenas bancadas, que funcionam como mobiliário urbano para as pessoas usufruírem e não se sentirem fechadas. Quis combater essa violência, para que se sinta liberdade em sociedade.
Também em Fortaleza projetou a Estação das Artes, algo de grande dimensão.
A Estação das Artes está na antiga estação ferroviária e tem uma grande dimensão, acaba por ser o Museu de Arte Contemporânea, são sete galpões – aqui chamamos armazéns –, que têm uma grande praça à frente. E eu provoquei ao dizer que essa praça tinha de ser requalificada, porque não tem jeito nenhum fazer um museu se a envolvente não contribuir para uma regeneração do espaço. A arquitetura deve ver-se como um ser vivo, nada está completamente definido. Tenho de dar espaço para que as pessoas se apropriem desse espaço, cada um à sua maneira, e se identifiquem. E isso dá-me um gozo tremendo e uma dor de cabeça também. Só tenho prazer se tiver o oposto, que é o sofrimento; a paixão é esta loucura onde procuramos compensações.
«EU DESENHO PARA AS PESSOAS, E É ISSO QUE ME DEFINE»
Apaixona-se com facilidade pelo que faz?
Pode ser muito desinteressante o que me pedem, mas, a partir desse momento, para mim passa a ser um desafio e começo a apaixonar-me. Por exemplo, a linha de sanitários que venceu, entre muitos, o prémio Design Plus Award; naquele momento, pensei: «mau, vou desenhar loiças para casa de banho e ainda por cima com nomes feios – bidé, sanita e por aí...» Mas concentrei-me. Imaginei esse espaço todo descascado, com os canos à mostra e foi nessa forma cilíndrica, que aconchega, que me inspirei, o que resultou em peças de uma simplicidade absoluta. Tudo é baseado num tubo cilíndrico que se curva e, outras vezes, é seccionado.
Design ou arquitetura, onde se sente mais confortável?
Gosto de projetar, mas a minha paixão são as pessoas, os lugares, que também são as pessoas. Há espaços e cidades horríveis, mas tenho lá bons amigos e tudo fica bonito. Eu desenho para as pessoas, e é isso que me define. As pessoas são muito mais felizes quando o espaço que as envolve é equilibrado. Com o design é a mesma coisa, se um edifício é desenhado para o espaço urbano, o design é desenhado para o espaço arquitetónico, mas há sempre um elemento comum: as pessoas.
O famoso candeeiro Pilo parece um desenho simples, mas é tão singular.
O Pilo foi desenhado há muitos anos e esteve na origem das luminárias. Surgiu dos tubos extensíveis das cortinas para banheiras, só que mais alto, cerca de 3,20 metros, e pode ser colocado em qualquer lado, porque tem dois apoios: um para o chão e outro para o teto. O Pilo é uma peça bem resolvida, é bonita, em termos de design, tem um lado erótico e sensual… e as pessoas também.
«A ARQUITETURA DEVE VER-SE COMO UM SER VIVO, NADA ESTÁ COMPLETAMENTE DEFINIDO»
A Casa do Gerês é também de extrema sensualidade encaixada no terreno.
É algo impossível de explicar, foi um projeto para um amigo, o que me trouxe mais responsabilidade. É algo imponente, que se esconde no meio da vegetação e desperta uma complexidade de sentimentos. A linha d´água é a sua razão de ser, tem um desenho muito bem conseguido. E a casa é básica – em duas linhas, fiz o desenho –, mas todo o resto é que faz o resultado e foi bem encaixada no terreno.
O Restaurante Mesa de Lemos tem uma história curiosa que acabou num local com dormidas.
É estranho que ninguém consegue classificar aquele edifício, isto porque não é só restaurante, nem só sítio onde se pode dormir. Pediram-me uma proposta para um restaurante, com a referência do museu Guggenheim, não disse que não e comecei a pensar na paisagem e na envolvência e fui desenhando, mas não me saía nada. Até que um dia puxo uma curva de nível das maquetes e surgiu-me aquela curva e pensei num percurso: restaurante, quarto, sala para exposições e relaxar, e uma piscina interior ao fundo. O cliente era, e é, um empreendedor de excelência, com paixão pela terra, tiro-lhe o chapéu por ter alinhado nesta proposta que foi um desafio tremendo – de um restaurante partimos para um espaço polivalente.
Quando projeta uma casa ou edifício pensa nas pessoas que vão para lá?
Tento entender o que as pessoas querem e, ao mesmo tempo, o que gostariam de sentir naquele espaço, preocupo-me muito com o emocional que a arquitetura provoca. A arquitetura tem de despertar sentimentos. Posso explicar um projeto, mas há situações que têm de ser vividas. Dizem que dou alma ao que faço, procuro a alma e nem sei explicar como, vai além do desenho, mas sei que toca muito nas pessoas, que é onde me foco, para além do desenho. Quando a arquitetura tiver explicação deixa de ser arte, deixa de ser criativa e a parte criativa não se explica, é sentida por cada um.
«A ARQUITETURA TEM DE DESPERTAR SENTIMENTOS»
Qual foi a obra que mais o surpreendeu no final?
Todas as obras terminam melhor do que aquilo que são em projeto, ao contrário do que se pensa, porque um projeto cria expetativas. É incontornável não dizer que a galeria Mário Sequeira, em Braga, tenha sido a obra que mais me marcou, porque foi das primeiras e, passados 25 anos, continua a ser uma referência mundial. E é muito bom receber telefonemas a dizerem-me que vão lá diretores do MoMA de Nova York ver aquilo e que acabam a dizer que é das galerias privadas do melhor que há no mundo.
As suas obras perduram no tempo.
Eu procuro essa intemporalidade, gosto de pensar a arquitetura do fim para o princípio, gosto de imaginar as minhas obras em ruína, todas abandonadas com plantas a escalarem-nas e já sem vidros. Acho que todas as obras de que falámos têm uma arquitetura intemporal, vão-se impor pelo respeito, as pessoas vão olhar, mesmo que tudo se degrade, vão respeitar a obra como uma peça de arte.
A internacionalização no Brasil foi uma oportunidade ou um acaso?
O Brasil seduzia-me. Houve uma primeira possibilidade para criar uma obra, através de um concurso, que acabámos por não ganhar, porque não dávamos garantias de acompanhamento. Era um edifício de excelência, em termos de qualidade, e fomos muito reconhecidos. Foi a partir daí que resolvi abrir um atelier em São Paulo para ter acesso a obras diferentes e numa escala que, em Portugal, ainda não existe.
E foi assim que projetou o Museu de Imagem e Som do Ceará?
Sim. O museu vai ser inaugurado em breve. Já devia ter sido, mas esta pandemia está a atrasar tudo. A nossa preocupação foi dialogar com um conjunto arquitetónico e, ao mesmo tempo, criar algumas provocações. Pretende ser o contrário do que encontramos no convencional, porque é um espaço aberto que respira. É uma pequena praça que remata em vertical numa enorme tela, onde se vão projetar imagens, e tem pequenas bancadas, que funcionam como mobiliário urbano para as pessoas usufruírem e não se sentirem fechadas. Quis combater essa violência, para que se sinta liberdade em sociedade.
Também em Fortaleza projetou a Estação das Artes, algo de grande dimensão.
A Estação das Artes está na antiga estação ferroviária e tem uma grande dimensão, acaba por ser o Museu de Arte Contemporânea, são sete galpões – aqui chamamos armazéns –, que têm uma grande praça à frente. E eu provoquei ao dizer que essa praça tinha de ser requalificada, porque não tem jeito nenhum fazer um museu se a envolvente não contribuir para uma regeneração do espaço. A arquitetura deve ver-se como um ser vivo, nada está completamente definido. Tenho de dar espaço para que as pessoas se apropriem desse espaço, cada um à sua maneira, e se identifiquem. E isso dá-me um gozo tremendo e uma dor de cabeça também. Só tenho prazer se tiver o oposto, que é o sofrimento; a paixão é esta loucura onde procuramos compensações.
«EU DESENHO PARA AS PESSOAS, E É ISSO QUE ME DEFINE»
Apaixona-se com facilidade pelo que faz?
Pode ser muito desinteressante o que me pedem, mas, a partir desse momento, para mim passa a ser um desafio e começo a apaixonar-me. Por exemplo, a linha de sanitários que venceu, entre muitos, o prémio Design Plus Award; naquele momento, pensei: «mau, vou desenhar loiças para casa de banho e ainda por cima com nomes feios – bidé, sanita e por aí...» Mas concentrei-me. Imaginei esse espaço todo descascado, com os canos à mostra e foi nessa forma cilíndrica, que aconchega, que me inspirei, o que resultou em peças de uma simplicidade absoluta. Tudo é baseado num tubo cilíndrico que se curva e, outras vezes, é seccionado.
Design ou arquitetura, onde se sente mais confortável?
Gosto de projetar, mas a minha paixão são as pessoas, os lugares, que também são as pessoas. Há espaços e cidades horríveis, mas tenho lá bons amigos e tudo fica bonito. Eu desenho para as pessoas, e é isso que me define. As pessoas são muito mais felizes quando o espaço que as envolve é equilibrado. Com o design é a mesma coisa, se um edifício é desenhado para o espaço urbano, o design é desenhado para o espaço arquitetónico, mas há sempre um elemento comum: as pessoas.
O famoso candeeiro Pilo parece um desenho simples, mas é tão singular.
O Pilo foi desenhado há muitos anos e esteve na origem das luminárias. Surgiu dos tubos extensíveis das cortinas para banheiras, só que mais alto, cerca de 3,20 metros, e pode ser colocado em qualquer lado, porque tem dois apoios: um para o chão e outro para o teto. O Pilo é uma peça bem resolvida, é bonita, em termos de design, tem um lado erótico e sensual… e as pessoas também.
«A ARQUITETURA DEVE VER-SE COMO UM SER VIVO, NADA ESTÁ COMPLETAMENTE DEFINIDO»
A Casa do Gerês é também de extrema sensualidade encaixada no terreno.
É algo impossível de explicar, foi um projeto para um amigo, o que me trouxe mais responsabilidade. É algo imponente, que se esconde no meio da vegetação e desperta uma complexidade de sentimentos. A linha d´água é a sua razão de ser, tem um desenho muito bem conseguido. E a casa é básica – em duas linhas, fiz o desenho –, mas todo o resto é que faz o resultado e foi bem encaixada no terreno.
O Restaurante Mesa de Lemos tem uma história curiosa que acabou num local com dormidas.
É estranho que ninguém consegue classificar aquele edifício, isto porque não é só restaurante, nem só sítio onde se pode dormir. Pediram-me uma proposta para um restaurante, com a referência do museu Guggenheim, não disse que não e comecei a pensar na paisagem e na envolvência e fui desenhando, mas não me saía nada. Até que um dia puxo uma curva de nível das maquetes e surgiu-me aquela curva e pensei num percurso: restaurante, quarto, sala para exposições e relaxar, e uma piscina interior ao fundo. O cliente era, e é, um empreendedor de excelência, com paixão pela terra, tiro-lhe o chapéu por ter alinhado nesta proposta que foi um desafio tremendo – de um restaurante partimos para um espaço polivalente.
Quando projeta uma casa ou edifício pensa nas pessoas que vão para lá?
Tento entender o que as pessoas querem e, ao mesmo tempo, o que gostariam de sentir naquele espaço, preocupo-me muito com o emocional que a arquitetura provoca. A arquitetura tem de despertar sentimentos. Posso explicar um projeto, mas há situações que têm de ser vividas. Dizem que dou alma ao que faço, procuro a alma e nem sei explicar como, vai além do desenho, mas sei que toca muito nas pessoas, que é onde me foco, para além do desenho. Quando a arquitetura tiver explicação deixa de ser arte, deixa de ser criativa e a parte criativa não se explica, é sentida por cada um.
«A ARQUITETURA TEM DE DESPERTAR SENTIMENTOS»
Qual foi a obra que mais o surpreendeu no final?
Todas as obras terminam melhor do que aquilo que são em projeto, ao contrário do que se pensa, porque um projeto cria expetativas. É incontornável não dizer que a galeria Mário Sequeira, em Braga, tenha sido a obra que mais me marcou, porque foi das primeiras e, passados 25 anos, continua a ser uma referência mundial. E é muito bom receber telefonemas a dizerem-me que vão lá diretores do MoMA de Nova York ver aquilo e que acabam a dizer que é das galerias privadas do melhor que há no mundo.
As suas obras perduram no tempo.
Eu procuro essa intemporalidade, gosto de pensar a arquitetura do fim para o princípio, gosto de imaginar as minhas obras em ruína, todas abandonadas com plantas a escalarem-nas e já sem vidros. Acho que todas as obras de que falámos têm uma arquitetura intemporal, vão-se impor pelo respeito, as pessoas vão olhar, mesmo que tudo se degrade, vão respeitar a obra como uma peça de arte.