Com uma ligação profunda entre a mão e a mente, é no desenho que Carvalho Araújo se manifesta tantas e tantas vezes. Deu os primeiros passos na fábrica do pai. Desenhou. E continua a desenhar peças. Formou-se em Arquitetura, na Faculdade de Belas Artes, e, desde aí, nunca mais parou de concretizar os sonhos de quem o procura no seu atelier homónimo, sediado em Braga. Está prestes a comemorar 30 anos de carreira e diz-nos continuar a "sofrer por antecipação”. Mas, uma coisa é certa, esta mente criativa, que é um dos rostos mais reconhecidos da arquitetura, não ficará por aqui. No decorrer da nossa conversa, falou-se um pouco de tudo. E tudo se resumiu a "amor”. Amor pela vida e pela arquitetura. São 13h00. Escutamos o sino, que entoa pela janela. É tempo de terminar, mas fica certamente o desejo de voltar, para absorvermos um pouco mais deste ser talentoso e disruptivo.
José Carvalho Araújo
"Vivo e respiro arquitetura, design e projeto”
Três coisas que o definem?
Não me acomodar, pôr tudo em causa e fazer bem.
De que forma controla a ansiedade no dia a dia?
Acho que nos habituamos a conviver com ela, porque não se controla. Mas gosto disso. Procuro sempre novos desafios. Se a quantidade de trabalho que tenho não me satisfaz, procuro fazer autopropostas, para me ocupar. Tenho o vício do design. As primeiras oportunidades de trabalho que tive foram na área do design industrial. Acabei por me viciar e, encontrar no design uma atitude crítica que me entretém. A minha formação é em arquitetura. Mas a base do projeto está sempre no desenho. Na verdade, as minhas primeiras oportunidades de desenho de projeto surgiram no design. O meu pai tinha uma fábrica, e foi aí que desenhei as primeiras peças.
Qual foi a primeira peça que desenhou?
Foi uma cadeira. Ainda anda por aí o protótipo. Chamam-lhe a Cadeira do Zé. Ter iniciado o design com o meu pai, que tinha uma fábrica, marcou o meu percurso. Um dia, ele propôs-me desenhar uma linha de secretárias. E eu fiz a minha interpretação do que poderia ser o posto de trabalho. Então, em vez de uma linha fechada, desenhei um sistema, inspirado no Lego, que permitia personalizar o posto de trabalho. Esse tipo de abordagem refletiu-se também na forma como exerço a arquitetura, que passa por personalizar sempre a resposta, porque um pedido é só o ponto de partida para aquilo que queremos fazer. Mas, voltando à fábrica do meu pai, como gostava muito de arquitetura, acabava por desenvolver o design dos espaços. A empresa participava em feiras e eu desenhava os stands.
O que o faz entrar em arquitetura?
Era bom aluno nas disciplinas de ciências. Lembro-me de ter ido ao Porto visitar as universidades. Visitei a Escola Superior de Belas Artes e achei que era um mundo incrível. O convívio entre arquitetos, artistas plásticos e escultores fascinou-me. E, como era bom a geometria descritiva, optei por esse caminho. Reprovei muitas vezes..., mas tirei partido do curso (risos). Ajudou-me muito, porque ganhei uma maturidade que não tinha.
"A arquitetura é como o amor, passa pelas fases todas.”
Começa a trabalhar quando?
A meio do curso. Como reprovei algumas vezes, sentia necessidade de trabalhar, porque já tinha família, filhos. Fiz tudo muito jovem. Foi aí que comecei a dar aulas no colégio dos meus pais. A partir daí, sempre trabalhei e estudei. Quando terminei o curso, já estava inserido no departamento de design da fábrica do meu pai.
E lança-se por conta e risco passado quanto tempo?
Uns cinco anos. Até essa altura ia fazendo projetos, tanto para a fábrica como para familiares e amigos, por isso abri o atelier em paralelo. Quando a fábrica encerrou, passei a trabalhar só no atelier. Com o desenrolar do tempo, comecei a ter mais trabalho, passei a dar aulas na Universidade Católica e comecei, também, a ter estagiários no atelier. Abracei projetos de maior ambição. E assim fui crescendo de forma gradual.
São quase 30 anos a realizar e a construir sonhos. De que forma é possível, a cada projeto, sonhar com mais e melhor?
Não consigo acomodar-me. Vivo e respiro arquitetura, design e projeto. Ambiciono sempre mais. Nunca gosto do que faço, no sentido em que sempre que termino alguma coisa, tenho vontade de fazer melhor. Acomodar-me será o meu último desejo.
Alguma vez foi desafiado a passar o seu atelier para um centro urbano como Lisboa ou Porto?
Muitas vezes desafiaram-me: "Devias abrir em Lisboa ou no Porto”. Braga, Porto, Lisboa... é tudo Portugal. Sempre respondi: "Quando for, vou para uma coisa maior”. Então, o atelier foi para São Paulo. E, felizmente, tivemos boas oportunidades de trabalho. Conseguimos conquistar esse mercado. Como? Não faço ideia. Acho que não fazemos mal o nosso trabalho (risos).
Cada projeto leva muito da sua essência, enquanto humano e enquanto criativo?
Leva, muito. Dedico o tempo que for preciso a cada projeto. Estou sempre a pensar neles. Algumas vezes confundo-me, de uma forma saudável, mas a verdade é que os projetos acabam por se influenciar uns aos outros. O facto de trabalharmos em países culturalmente diferentes é também um contributo para o desenvolvimento de novas interpretações. Se por um lado apostamos numa abordagem que reforça a nossa identidade, por outro colhemos novas experiências que se tornam referências ao longo do tempo.
Na hora de idealizar um projeto para o cliente, o que prevalece?
A coisa mais importante é o cliente. O cliente define o projeto. Costumo dizer que a arquitetura tem a cara dos clientes (no sentido figurado). Tento compreender ao máximo o cliente e superar as expectativas. Na grande maioria dos casos, o cliente nunca tem, da minha parte, a resposta que esperava. E isso é bom, porque se ele soubesse com o que contar, talvez não viesse ter comigo, nem precisasse de um arquiteto.
Como lida com o cliente exigente?
Os clientes mais difíceis são os menos exigentes. São aqueles que, à partida, nos dão liberdade total. Mas a arquitetura é feita de condicionalismos, quer ao nível de expectativa, quer do ponto de vista económico. São esses condicionalismos que nos ajudam a balizar as opções. E a arquitetura também é feita de opções. Alguns clientes dão-nos carta-branca para o desenvolvimento do projeto o que, por um lado, dificulta o processo porque eleva a expectativa e por outro, torna o trabalho mais desafiante. Os trabalhos são todos bonitos, desde que se consiga entender a essência do pedido, que é o ponto de partida. A partir daí, temos que trabalhar de forma a ir ao encontro daquilo que se espera de um projeto. Não me agrada que as pessoas gostem logo à primeira vista do que veem. É algo que tem de se ir interiorizando e só depois se podem apaixonar. A arquitetura é muito mais do que o desenho. O desenho é uma forma de comunicar, mas, depois, há coisas que se sentem, não se explicam. Isso é que diferencia a arquitetura. E a nossa arquitetura tem muito disso.
Em arquitetura, é mais importante o desenho, o belo ou a eficácia dos espaços?
É tudo. É o equilíbrio de tudo. Não há arquitetura sem desenho. Por outro lado, o desenho não é tudo e o belo está nos olhos de quem o vê. Tem é de estar bem sustentado, bem definido. Nós, seres humanos, somos seres que facilmente, nos adaptamos a diferentes situações. Dito isto, acredito que uma organização convencional, provavelmente, não responde da forma mais eficaz a um determinado projeto. Um projeto não tem de ser convencional. Porque é que não podemos questionar a forma como vemos as coisas? Isso é tudo uma sequência de reflexões, opções, pensamentos, portanto, é neste equilíbrio entre expectativa, lugar, cliente, luz, materialidades e funcionalidades que encontramos o todo. E esse "todo” bem conseguido vai ter a cara do cliente.
O atelier Carvalho Araújo é reconhecido pelo excelente trabalho desenvolvido de arquitetura e design de produto. Trabalhou para conquistar este reconhecimento. Como deseja um dia ser lembrado?
Nós tentamos fazer bem, e, se formos bem-sucedidos, mais cedo ou mais tarde, as pessoas vão acabar por reconhecer. Mais do que ser recordado (porque já não estarei cá), gosto do facto de que as pessoas não saibam o que as espera, quando vêm ter connosco. Isso dá-me algum gozo. A arquitetura é como o amor, passa pelas fases todas. O primeiro momento é o de sedução (adoro esse momento). É aí que tento entender o que é que vai na alma do cliente e o pedido. Depois, vem a parte do encantamento e, por fim, vem o pior (questões processuais, questões de obra...), e, nesse momento, normalmente eu salto fora (risos). Mas tenho uma equipa fabulosa que dá conta do recado. Sobre como ser lembrado... Não faço a mínima ideia de como é que gostaria de ser recordado, provavelmente porque não gosto da ideia. Talvez o facto de não pensar nisso seja sinal de que ainda estou bem.
Inúmeros projetos fazem parte do seu portefólio. Aqui, no Minho, fazem parte obras como a Casa do Gerês, a Galeria Mário Sequeira, o gnration, entre outras. Mas não se fica por aqui. O seu traço percorre o país, de norte a sul.
Neste momento, temos mais projetos fora do Minho. Gosto de pensar os projetos não de uma forma isolada, mas de uma forma estratégica. Há uma estratégia, quase que inconsciente, mas muito presente, de fazer conjunto, fazer cidade. Isso é o que mais nos interessa. Por exemplo, ao olhar para Braga para além do projeto isolado, estamos preocupados com a cidade. Acreditamos que estamos a desenvolver referências numa perspetiva de valorização do todo. Devemos olhar o espaço urbano como a essência de toda a arquitetura. Fazer cidade é uma escala de pensamento que nos interessa muito.
"A arquitetura do futuro é a arquitetura do presente (...) devia-se fazer menos e melhor”
Como define a arquitetura dos tempos modernos?
É o que sempre foi, uma área demasiado importante para ser tão menosprezada. O desenho é o que é, está sempre em transformação. O futuro é tentarmos fazer melhor. Agora, a arquitetura é menosprezada, porque as pessoas não a valorizam, não exigem mais dela. Mas a arquitetura é o mundo em que vivemos. As pessoas queixam-se das casas, das cidades... Tudo isso é arquitetura. E não vejo grande preocupação com estratégias de planeamento. A arquitetura é uma arte pública. A coisa mais importante é entender o cliente, e isso passa por pensar e entender o lugar, o urbano, a paisagem, porque aquela obra pode ser daquele cliente, mas interfere com todos nós. Portanto, se eu entender bem a forma como esse edifício interage com a paisagem, tudo fica mais equilibrado e confortável. Valorizem a arquitetura e todos serão mais felizes.
E como vê a arquitetura do futuro?
A arquitetura do futuro é a arquitetura do presente. Nós estamos a fazer a arquitetura do futuro. Acho é que, neste momento, devia-se fazer menos e melhor.
Continua a ser um apaixonado pela arquitetura?
É a minha grande amante..., cara pra caraças! (risos)
O que é para si design de produto? E qual a sua importância?
É uma paixão que tenho. Esse design entendido da forma como o vejo, um ato estratégico, é bonito de ser pensado, mas cada vez mais difícil de se impor. Acho que as nossas propostas desafiam as pessoas, deixam-nas a pensar. É fácil entender quais são os objetivos a que nos propomos, mas, na altura da concretização, não são projetos fechados, são ambiciosos, e pôr as pessoas a pensar pode ser o pior que se pode fazer a um projeto. Já eu, tudo o que me põe a pensar, adoro.
Gosta mais de desenhar produto ou idealizar um projeto arquitetónico?
É igual. Desde o produto à cidade, o que eu gosto é de refletir sobre as questões. O ato do design foi uma escola para mim, e apliquei muito desse conhecimento na arquitetura. Mas, hoje, aproveito a arquitetura para fazer design. A arquitetura estrutura um mundo e os espaços para onde se pensa o design.
Algo que o inspire?
Os meus colaboradores.
E a sua obra, viverá para além de si?
Quando estou a fazer uma obra, gosto de pensar como será a sua ruína. Até gostava de viver para poder ver algumas delas nessa fase. Gostava ainda que, um dia, algumas tivessem de ser preservadas por serem uma obra Carvalho Araújo. Como obrigam a preservar muitas coisas dos antepassados, também gostava que assim fosse com as nossas obras. Quando olho para um projeto, imagino-o com vidros partidos, cheio de ervas, cobras, destruído, mas belo.
Desafio: em função da nossa conversa, faça um desenho do que o marcou.
Amor. É a síntese de tudo.
Neste momento, temos mais projetos fora do Minho. Gosto de pensar os projetos não de uma forma isolada, mas de uma forma estratégica. Há uma estratégia, quase que inconsciente, mas muito presente, de fazer conjunto, fazer cidade. Isso é o que mais nos interessa. Por exemplo, ao olhar para Braga para além do projeto isolado, estamos preocupados com a cidade. Acreditamos que estamos a desenvolver referências numa perspetiva de valorização do todo. Devemos olhar o espaço urbano como a essência de toda a arquitetura. Fazer cidade é uma escala de pensamento que nos interessa muito.
"A arquitetura do futuro é a arquitetura do presente (...) devia-se fazer menos e melhor”
Como define a arquitetura dos tempos modernos?
É o que sempre foi, uma área demasiado importante para ser tão menosprezada. O desenho é o que é, está sempre em transformação. O futuro é tentarmos fazer melhor. Agora, a arquitetura é menosprezada, porque as pessoas não a valorizam, não exigem mais dela. Mas a arquitetura é o mundo em que vivemos. As pessoas queixam-se das casas, das cidades... Tudo isso é arquitetura. E não vejo grande preocupação com estratégias de planeamento. A arquitetura é uma arte pública. A coisa mais importante é entender o cliente, e isso passa por pensar e entender o lugar, o urbano, a paisagem, porque aquela obra pode ser daquele cliente, mas interfere com todos nós. Portanto, se eu entender bem a forma como esse edifício interage com a paisagem, tudo fica mais equilibrado e confortável. Valorizem a arquitetura e todos serão mais felizes.
E como vê a arquitetura do futuro?
A arquitetura do futuro é a arquitetura do presente. Nós estamos a fazer a arquitetura do futuro. Acho é que, neste momento, devia-se fazer menos e melhor.
Continua a ser um apaixonado pela arquitetura?
É a minha grande amante..., cara pra caraças! (risos)
O que é para si design de produto? E qual a sua importância?
É uma paixão que tenho. Esse design entendido da forma como o vejo, um ato estratégico, é bonito de ser pensado, mas cada vez mais difícil de se impor. Acho que as nossas propostas desafiam as pessoas, deixam-nas a pensar. É fácil entender quais são os objetivos a que nos propomos, mas, na altura da concretização, não são projetos fechados, são ambiciosos, e pôr as pessoas a pensar pode ser o pior que se pode fazer a um projeto. Já eu, tudo o que me põe a pensar, adoro.
Gosta mais de desenhar produto ou idealizar um projeto arquitetónico?
É igual. Desde o produto à cidade, o que eu gosto é de refletir sobre as questões. O ato do design foi uma escola para mim, e apliquei muito desse conhecimento na arquitetura. Mas, hoje, aproveito a arquitetura para fazer design. A arquitetura estrutura um mundo e os espaços para onde se pensa o design.
Algo que o inspire?
Os meus colaboradores.
E a sua obra, viverá para além de si?
Quando estou a fazer uma obra, gosto de pensar como será a sua ruína. Até gostava de viver para poder ver algumas delas nessa fase. Gostava ainda que, um dia, algumas tivessem de ser preservadas por serem uma obra Carvalho Araújo. Como obrigam a preservar muitas coisas dos antepassados, também gostava que assim fosse com as nossas obras. Quando olho para um projeto, imagino-o com vidros partidos, cheio de ervas, cobras, destruído, mas belo.
Desafio: em função da nossa conversa, faça um desenho do que o marcou.
Amor. É a síntese de tudo.