São já centenas os projetos em Portugal e no mundo com assinatura e traço do arquiteto Miguel Saraiva, fundador da Saraiva+Associados – único gabinete português no World Architecture 100, onde só constam os maiores do mundo. No seu eclético portefólio, há casas, prédios, aeroportos, locais de culto, estruturas desportivas, de utilidade pública e de diversão e muitas outras fundamentais para o desenvolvimento da sociedade, onde se podem ver as fases que atravessou ao longo da carreira, que teve início no atelier do arquiteto e artista plástico João Chichorro.
Iniciar a carreira com João Chichorro foi marcante para si?
Acredito que sim. Fui trabalhar com o João Chichorro, depois de ter sido motorista – por não querer exercer a profissão de arquiteto, que era mal paga e desconsiderada –, e adorei. Era um homem de artes, acima de tudo era um designer de interiores, com imensa cultura geral, com um traço muito bonito e ideias muito interessantes. A relação com ele foi tão próxima que voltei a interessar-me imenso pela arquitetura, com uma vantagem: era bem-remunerado. Mas trabalhava a um ritmo impressionante, estava tão comprometido com o que ele me pedia que trabalhava dia e noite. Foi uma experiência extraordinária.
O que aprendeu com essa experiência?
Comecei a ter a noção perfeita do que era desenhar à escala 1/100 e construir à escala natural. O domínio da escala é o maior desafio dos arquitetos. Eu desenhava para ele e acompanhava-o nas obras e, assim, comecei a ter a perfeita noção do que fazia, o que foi um desafio profissional gigantesco. Ele também trabalhava muito a textura e a cor, tendo-me levado a aprender muito sobre estas expressões, algo que abandonei durante um tempo e que agora está a voltar.
Tal como os artistas, o Miguel, como arquiteto, tem fases?
Sim, claro, chegam-nos com a maturidade. Não é só a maturidade da prática profissional, mas também como seres humanos. Vamos evoluindo com o contacto com os clientes, com as entidades que nos licenciam e aprovam os projetos, com os mestres das obras… Gosto muito de falar com os mestres das obras, eles revelam-nos a realidade da obra e isto ensina e desmonta a complexidade que, muitas vezes, temos na cabeça. Ao longo deste tempo de atelier próprio, fez em junho 25 anos, tive três fases: uma muito curta, no início da carreira; depois outra, que durou dez anos; e agora estou a completar uma outra, também de dez anos. Esta que decorre é a mais violenta e é a mais intrusiva na minha vida pessoal e profissional. A minha idade e os anos de profissão obrigam-me a dar um grande salto em termos de qualidade e, neste momento, estou numa exigência esquizofrénica comigo mesmo em relação à arquitetura, sei que tenho de ter um único foco: qualidade, qualidade, qualidade.
A sustentabilidade é importante para si?
Nós comprámos uma empresa no setor da sustentabilidade e trouxemo-la para dentro do nosso universo e essa empresa transformou o ADN da Saraiva+Associados no que diz respeito ao paradigma da sustentabilidade. Por isso, a sustentabilidade está dentro de nós e não nos corta a criatividade, talvez mude um pouco a forma de ver as situações, sendo uma mudança positiva que impacta diretamente na vida das pessoas e na sua qualidade de vida. Se podemos trabalhar com materiais naturais, como vidro, ferro, pedra e também cerâmicos, não vamos substituí-los por outros materiais.
"A reabilitação, para mim, são silêncios de respeito, são diálogos com o passado"
Qual a razão que levou à internacionalização?
A internacionalização foi uma opção, já estivemos em onze países, agora estamos em seis, por questões financeiras. Quando partimos para outras geografias foi também por questões financeiras, a crise no nosso país levou-nos a outros mercados para que o atelier continuasse a funcionar e não se perdesse a prática profissional. Sem desenhar, perdemos a mão e, perdendo a mão, perdemos a escala e, perdendo a escala, perdemos o conteúdo e, perdendo o conteúdo, deixamos de ser arquitetos. Mas abrir estes ateliers foi também para cruzar oportunidades e ciclos de encomenda e, por isso, tivemos sempre no gráfico uma reta – não crescemos nem diminuímos –, o que permitiu alimentar oitenta arquitetos durante oito anos. Foi um grande desafio. Em 2014, havia 90% de encomendas externas e 10% internas; hoje é o inverso. O maior ativo que trouxemos dessas geografias foi a prática profissional executada de formas diferentes das que executamos em Portugal e que hoje fazem parte do nosso ADN. Foram um valor acrescentado, daí a valorização do atelier.
Gosta mais de reabilitar ou de fazer de raiz?
Acho mais difícil fazer de raiz do que reabilitar. O papel branco, para a maioria dos arquitetos, é um desafio, mas também um motivo de angústia, para não dizer que é assustador. A reabilitação, para mim, são silêncios de respeito, são diálogos com o passado. Fazer reabilitação é uma oportunidade única, e trabalhar com materiais do antigamente, acrescentando-lhes, de uma forma estruturada, materiais contemporâneos. Acho que é mais difícil desenhar uma torre de origem, apesar de gostar de ambas as situações. Na minha perspetiva, a arquitetura é cada vez mais penetrante na sociedade. E também é verdade que temos de juntar as nossas competências a outros profissionais para que aquilo que fazemos e desenhamos seja mais completo, menos complexo, mais funcional e sirva melhor as pessoas.
Como caracteriza o seu traço?
Acho que é um traço bastante austero. Por isso, as minhas linhas são linhas muito puristas. Não tenho hábito de renegar as minhas obras e revejo-me em todas e gosto de as revisitar para ver o que não correu bem e melhorar no futuro. E, portanto, o meu grande desafio e a minha grande obra no futuro é melhorar tudo aquilo que fiz até hoje e isso é uma vénia que faço ao meu próprio trabalho, uma vénia de respeito por mim, por aqueles que trabalham comigo, por aqueles que trabalharam e por aqueles que irão trabalhar.
Iniciar a carreira com João Chichorro foi marcante para si?
Acredito que sim. Fui trabalhar com o João Chichorro, depois de ter sido motorista – por não querer exercer a profissão de arquiteto, que era mal paga e desconsiderada –, e adorei. Era um homem de artes, acima de tudo era um designer de interiores, com imensa cultura geral, com um traço muito bonito e ideias muito interessantes. A relação com ele foi tão próxima que voltei a interessar-me imenso pela arquitetura, com uma vantagem: era bem-remunerado. Mas trabalhava a um ritmo impressionante, estava tão comprometido com o que ele me pedia que trabalhava dia e noite. Foi uma experiência extraordinária.
O que aprendeu com essa experiência?
Comecei a ter a noção perfeita do que era desenhar à escala 1/100 e construir à escala natural. O domínio da escala é o maior desafio dos arquitetos. Eu desenhava para ele e acompanhava-o nas obras e, assim, comecei a ter a perfeita noção do que fazia, o que foi um desafio profissional gigantesco. Ele também trabalhava muito a textura e a cor, tendo-me levado a aprender muito sobre estas expressões, algo que abandonei durante um tempo e que agora está a voltar.
Tal como os artistas, o Miguel, como arquiteto, tem fases?
Sim, claro, chegam-nos com a maturidade. Não é só a maturidade da prática profissional, mas também como seres humanos. Vamos evoluindo com o contacto com os clientes, com as entidades que nos licenciam e aprovam os projetos, com os mestres das obras… Gosto muito de falar com os mestres das obras, eles revelam-nos a realidade da obra e isto ensina e desmonta a complexidade que, muitas vezes, temos na cabeça. Ao longo deste tempo de atelier próprio, fez em junho 25 anos, tive três fases: uma muito curta, no início da carreira; depois outra, que durou dez anos; e agora estou a completar uma outra, também de dez anos. Esta que decorre é a mais violenta e é a mais intrusiva na minha vida pessoal e profissional. A minha idade e os anos de profissão obrigam-me a dar um grande salto em termos de qualidade e, neste momento, estou numa exigência esquizofrénica comigo mesmo em relação à arquitetura, sei que tenho de ter um único foco: qualidade, qualidade, qualidade.
A sustentabilidade é importante para si?
Nós comprámos uma empresa no setor da sustentabilidade e trouxemo-la para dentro do nosso universo e essa empresa transformou o ADN da Saraiva+Associados no que diz respeito ao paradigma da sustentabilidade. Por isso, a sustentabilidade está dentro de nós e não nos corta a criatividade, talvez mude um pouco a forma de ver as situações, sendo uma mudança positiva que impacta diretamente na vida das pessoas e na sua qualidade de vida. Se podemos trabalhar com materiais naturais, como vidro, ferro, pedra e também cerâmicos, não vamos substituí-los por outros materiais.
"A reabilitação, para mim, são silêncios de respeito, são diálogos com o passado"
Qual a razão que levou à internacionalização?
A internacionalização foi uma opção, já estivemos em onze países, agora estamos em seis, por questões financeiras. Quando partimos para outras geografias foi também por questões financeiras, a crise no nosso país levou-nos a outros mercados para que o atelier continuasse a funcionar e não se perdesse a prática profissional. Sem desenhar, perdemos a mão e, perdendo a mão, perdemos a escala e, perdendo a escala, perdemos o conteúdo e, perdendo o conteúdo, deixamos de ser arquitetos. Mas abrir estes ateliers foi também para cruzar oportunidades e ciclos de encomenda e, por isso, tivemos sempre no gráfico uma reta – não crescemos nem diminuímos –, o que permitiu alimentar oitenta arquitetos durante oito anos. Foi um grande desafio. Em 2014, havia 90% de encomendas externas e 10% internas; hoje é o inverso. O maior ativo que trouxemos dessas geografias foi a prática profissional executada de formas diferentes das que executamos em Portugal e que hoje fazem parte do nosso ADN. Foram um valor acrescentado, daí a valorização do atelier.
Gosta mais de reabilitar ou de fazer de raiz?
Acho mais difícil fazer de raiz do que reabilitar. O papel branco, para a maioria dos arquitetos, é um desafio, mas também um motivo de angústia, para não dizer que é assustador. A reabilitação, para mim, são silêncios de respeito, são diálogos com o passado. Fazer reabilitação é uma oportunidade única, e trabalhar com materiais do antigamente, acrescentando-lhes, de uma forma estruturada, materiais contemporâneos. Acho que é mais difícil desenhar uma torre de origem, apesar de gostar de ambas as situações. Na minha perspetiva, a arquitetura é cada vez mais penetrante na sociedade. E também é verdade que temos de juntar as nossas competências a outros profissionais para que aquilo que fazemos e desenhamos seja mais completo, menos complexo, mais funcional e sirva melhor as pessoas.
Como caracteriza o seu traço?
Acho que é um traço bastante austero. Por isso, as minhas linhas são linhas muito puristas. Não tenho hábito de renegar as minhas obras e revejo-me em todas e gosto de as revisitar para ver o que não correu bem e melhorar no futuro. E, portanto, o meu grande desafio e a minha grande obra no futuro é melhorar tudo aquilo que fiz até hoje e isso é uma vénia que faço ao meu próprio trabalho, uma vénia de respeito por mim, por aqueles que trabalham comigo, por aqueles que trabalharam e por aqueles que irão trabalhar.