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Nuno Matos Cabral

"Há coisas que parecem lixo, mas que se podem transformar em luxo”

O salto do Direito para o Design não foi um passo de mágica, mas a verdade é que a magia sempre lá esteve. Desde pequeno que Nuno Matos Cabral se viu enredado pela beleza e pragmatismo das coisas. Assim, mesmo com a forte influência da família, a essência falou mais alto. Hoje, o head of creativity da Gato Preto conta com 22 anos de carreira, recheados de aprendizagens e sucessos. De uma simpatia sem fim, partilhou um bocadinho da sua vida com a TRENDS, numa entrevista que teve como pano de fundo o belo Rocco, em Lisboa.
Hoje é um designer muito conhecido, mas a sua carreira não começou exatamente nesta área...
Não. É verdade e acho que sou um bom exemplo de que é possível mudarmos de carreira. Muitas vezes, quando somos miúdos e não sabemos o queremos fazer, somos influenciados pela família. Comigo acabou por acontecer efetivamente essa influência. O que me levou a fazer Direito. Fiz o curso na íntegra e ainda trabalhei um ano como assessor jurídico numa seguradora internacional, mas achei que não era aquilo. Acredito que a vida e o destino acabam por nos colocar nos sítios certos, nas horas certas, nos caminhos que devemos seguir. Portanto, foi aí que tudo começou. 

Como e quando se dá essa reviravolta e começa a dedicar-se exclusivamente ao design?
O ponto zero, em primeiro lugar, foi ter pessoas da família que investiram em imobiliário. Estamos a falar do ano 2000. Comecei a dar umas dicas, paletas de cores, azulejos, revestimentos... Aí, ainda não me intitulava como designer, mas sim como decorador, porque entretanto fiz um curso de curta duração na Escola Superior de Artes Decorativas. Em 2004, na capa de uma revista muito conhecida na altura, a Máxima Interiores, saiu uma casa feita por mim, que me deu alguma visibilidade. A partir daí a coisa foi fluindo. Até que, em 2008, decido ir estudar para Milão. Fui dos poucos alunos, nem sei se não fui o primeiro, a entrar para um master em Design de Interiores sem ter uma licenciatura em Arquitetura ou em Design. Fui aceite graças ao portefólio. Entre 2009 e 2010, dei um pulo e, a partir daí, achei que efetivamente era designer de interiores.

A questão da sustentabilidade faz parte da sua forma de trabalhar desde o início ou começou gradualmente a ganhar importância no seu trabalho? 
Acho que teve sempre, porque como fui sempre uma pessoa muito criativa, imaginava utilidade para as coisas que encontrava. Às vezes, na rua a brincar com os miúdos, olhava para essas coisas e pensava "ai isto ficava giro se fosse... qualquer coisa”. Esse foi o bichinho que eu, de alguma forma, sempre senti presente e que, mais tarde, acabou por dar na Primeira Casa da Rua, que é um blogue que surgiu em 2013, em que o reciclar, reutilizar e recuperar eram, e são, o mote. Portanto, desde muito cedo fui sensível para isso e para o desperdício, que é uma coisa que me faz muita confusão.

Como é que se consegue decorar os nossos espaços de uma forma sustentável e bonita ao mesmo tempo?
Para já temos de fazer aqui uma distinção, porque sustentável não é só a parte ambiental. Temos a parte ambiental, a social e a cultural. Ou seja, quando falamos em sustentabilidade, não é só o projeto em si e a escolha dos materiais, mas de onde é que esses materiais são provenientes, que fornecedores é que nos estão a dar esses materiais, como é que são produzidos? Logo, em primeiro lugar, acho que reciclarmos, reutilizarmos e recuperarmos coisas em casa já é um bom começo. E eu não sou propriamente um radical. Tenho noção que implementarmos hoje um projeto 100% sustentável com estas três componentes ainda não é fácil. Temos que dar baby steeps apesar de o planeta já não estar com tanta paciência para esperar. Mas temos de ir até onde conseguimos. Estes primeiros passos dentro da casa: o reciclar, o recuperar e o reutilizar aquelas coisas que ainda estão boas são importantes. E se não precisarmos na nossa casa, passarmos a outras pessoas que precisam delas. Com esta economia circular as coisas vão seguindo o seu processo. 

Sente que quem procura o seu lado profissional, procura-o também por ser alguém que dá destaque à sustentabilidade, ou pela beleza daquilo que faz?
Penso que procuram pelas duas coisas. O meu maior desafio é, de alguma forma, encontrar um equilíbrio entre o sustentável, o sofisticado e o elegante. Não sei se são as palavras adequadas, mas penso que sim. Se existia – acho que já não existe –, o preconceito de que o sustentável não era bonito, o que não é verdade, hoje em dia vemos grandes marcas de referência no luxo a apostar na sustentabilidade, e efetivamente, na minha opinião, esse é o mote. Ou seja, não é uma marca de hoje para amanhã ser 100% sustentável, mas devemos começar por algum lado.

"Cada vez mais, existem certificados internacionais que nos dizem quais são os produtos amigos do ambiente”

O Nuno não é um inexperiente neste campo, já está nisto há muito tempo. Não acha que há um certo aproveitamento dessas mesmas marcas que perceberam que esse lado mais verde, na realidade, acrescenta um toque de luxo ao marketing?
Sim, é possível. Mas, mesmo assim, se o estiverem a fazer para mim já é o suficiente. Desde que não seja um green wash, há marcas que se aproveitam de determinados nomes para associar a marca a um mood mais sustentável, quando na realidade, não o é. Se essas marcas estiverem efetivamente a implementar a sustentabilidade no seu processo, independentemente dos motivos, mas o motivo final é de facto ajudarmos o planeta, acho fantástico. Para mim não é relevante se se estão a aproveitar ou não. O que é importante é implementar e desenvolvermos processos produtivos que efetivamente levem a ter produtos mais amigos do ambiente.


Quem está deste lado, às vezes também não sabe muito bem, se pode confiar e como é que distingue algo que é de facto sustentável, daquilo que não é...
Uma das formas de o perceber é procurando a certificação. Cada vez mais, existem certificados internacionais que nos dizem quais são os produtos amigos do ambiente. Eu agora não sei dizer de cor, mas sei que existem inclusivamente na área da decoração, é uma questão de se estar atento, desde as tintas, passando pelos materiais, pelas madeiras, há ‘ene’ certificados que nos dão esse alerta se estamos a falar de green wash ou não. 

Falemos dos seus projetos. Como tem sido a sua carreira e como foi agarrar esta missão de ser head of creativity da Gato Preto? O que é que está na sua mente para o futuro?
Em primeiro lugar, está e vai continuar a estar a questão da sustentabilidade. Onde eu estiver, vou procurar sempre sensibilizar quem está a trabalhar comigo para esse tema. Nos meus projetos anteriores, sempre procurei implementar muito 'o verde', as plantas, materiais naturais, que são coisas muito importantes para mim. Isso é transversal, se forem ver projetos de 2004 e projetos de agora, essa preocupação está lá. Relativamente a produto, gosto muito de trabalhar com empresas que tenham já alguma sensibilidade para o problema da sustentabilidade. Já trabalhei com marcas muito interessantes, inclusivamente na minha própria marca de mobiliário, em nome próprio, também tive essa atenção: aos vernizes, às madeiras, esquecer as madeiras maciças, que isto também é um preconceito que muitas vezes temos, que só a madeira sólida e maciça é que pode ser utilizada em mobiliário, o que e não é verdade. Eu assumi que estava a utilizar pré-composto, em que só se utiliza uma folha muito fina de madeira, para que houvesse o menor impacto possível no meio ambiente. Dito isto, o desfio novo é o Gato Preto, algo muito recente, de há alguns meses, que me foi proposto e que estou a adorar. Eu adoro desafios e este deixa-me muito orgulhoso porque estamos a falar de uma marca com mais de 35 anos em Portugal, que está na Península Ibérica, e acho que o meu contributo vai ser muito interessante: o como é que eu vou conseguir continuar a trazê-la para este século XXI com estas coisas todas a acontecerem. Estamos a falar de mais de 60 lojas, de mãos dadas com o ambiente... 

"O meu maior desafio é, de alguma forma, encontrar um equilíbrio entre o sustentável, o sofisticado e o elegante”

Entretanto, no meio disto tudo, quando deu por si, já era alguém extremamente mediático...
Até fico corado (risos). Por acaso, acho que não sou, ainda não vejo nada disso. Vou fazendo o meu percurso e, como costumo dizer, o caminho faz-se caminhando. Quem se quiser juntar, fantástico. Para mim, o importante é passar a mensagem, e esta entrevista deixa-me muito contente porque é sinal de que vou podendo dizer e fazer algumas coisas. Se esse mediatismo de que fala, e que eu não consigo ver, puder, de alguma forma, contribuir para um mundo melhor, fantástico. 

Fazendo uma retrospetiva a estes 22 anos de carreira, o que mais o orgulha?
Ter colaborado nos interiores de numa exposição no Museu do Design, em Milão. Ver nos agradecimentos o meu nome foi algo que me emocionou. Depois, a colaboração com a Vista Alegre foi algo de que gostei bastante. A assinatura por trás da peça deixou-me orgulhoso. A Bordallo Pinheiro e depois o blogue A Casa da Rua, que é algo que quis fazer para mostrar às pessoas que, de facto, às vezes com pouco dinheiro pode fazer-se muito. E que há coisas que parecem lixo, mas que se podem transformar em luxo.
Filomena Abreu
T. Filomena Abreu
F. Nuno Almendra

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