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Rita Valadão

"Envolvo-me emocionalmente nos projetos”

Julgava que a medicina dentária ocuparia grande parte da sua vida, até que a incapacidade de viver sem as artes decorativas falou mais alto. Trocadas as voltas, Rita Valadão formou-se em arquitetura de interiores e artes decorativas, o ponto de partida para uma carreira de sucesso. Em 2015, cria o seu próprio atelier e, bem, sete anos depois a TRENDS foi procurar saber do que é hoje fruto a empresa Rita Valadão. Acolhendo-nos com um sorriso caloroso e olhos azuis expressivos, a designer de interiores fala-nos de si, do atelier e do design de interiores no contexto português. 
Como é que o design de interiores surgiu na vida da Rita?
Antes do design de interiores surgiu a medicina dentária. Entretanto, percebi que que não era aquilo que queria. Sempre gostei de decoração, artes decorativas, cores, texturas, mobiliário... Pensei, por isso, inclinar-me para a vertente do design de interiores. E assim foi. 

Acaba por criar o seu próprio atelier, com vista a desenhar espaços distintos e coerentes. Como descreve a identidade característica de um projeto Rita Valadão?
Costumo dizer que não tenho identidade própria. Um projeto é também a "cara” do cliente. Por norma, um trabalho nosso é direcionado para o tipo de cliente. Temos muitos que vêm do estrangeiro, por exemplo. Os nossos clientes são mais estrangeiros que portugueses. E trata-se, no fundo, de uma procura e integração consoante o tipo de cliente e as suas vivências, a par com aquilo que podemos proporcionar. 
O cliente assume que o projeto é Rita Valadão, normalmente, a partir da cor e textura. Gosto de usar cor e prefiro não misturar materiais. Trabalho muito com os lisos e as texturas diferentes, já com padrões nem tanto.  

Um projeto requer muita dedicação. Em média, durante quanto tempo é que fica envolvida num só trabalho?
Demora algum tempo. Os nossos projetos não costumam envolver somente decoração de interiores, há também a etapa da reabilitação. O nosso último projeto, por exemplo, consistiu em destruir quase todo o interior da casa e fazer de raiz, passando só depois à decoração. Daí eu insistir tanto na arquitetura de interiores e na decoração de interiores. Ambas são distintas, mas complementam-se. Para este projeto específico, foram necessários 17 meses. Por norma, se o projeto envolver reabilitação, carece de mais tempo. Se for apenas para fins decorativos, é mais rápido. Depende de muitas condicionantes. 

No momento de projetar um ambiente, quais são as suas principais preocupações? 
A minha primeira preocupação é a luz natural do local. Depois, perceber o espaço em si e de que forma o podemos dinamizar, mantendo a estética aliada à função. 

"As pessoas começaram (...) a ter uma perspetiva diferente do espaço onde habitam”
Existe alguma relação entre os espaços que cria e o seu estado emocional ou a fase de vida em que se encontra?
Penso que não. Eu envolvo-me emocionalmente nos projetos, mas consigo dividir bem a vida pessoal da profissional. Agora, quando se trata da entrega de um projeto a um cliente, fico sempre com um vazio dentro de mim. Simboliza uma separação, mas não dos clientes, até porque muitos tornam-se meus amigos. Mas, depois, é compensatório o feedback. A melhor sensação que se pode ter é a de que valeu a pena. 

É desprendida em relação aos objetos?
Sou desprendida na minha vida pessoal, no meu lar. Por aquilo que coloco na casa do cliente, já tenho um carinho especial, porque fui eu ou alguém da equipa a desenhar o objeto. Fica sempre aquele sentimento de "aquela peça é minha” (risos). 

A sustentabilidade é já uma aposta séria do atelier?
Sim. Neste momento, estamos a trabalhar com equipas de construção que já abordam a questão de maneira diferente. O aproveitamento de materiais, evitando o desperdício, é algo que fazemos. Por vezes, desperdiçam-se materiais e nós tentamos aproveitar ao máximo, usando-os noutros projetos ou em pequenas construções de peças de mobiliário. Há também vários materiais que deixamos de usar, substituindo-os por soluções recicláveis e, em simultâneo, duradouras. 

Como é que caracteriza a evolução do design de interiores em Portugal?
Está tudo diferente de há muitos anos. Para melhor. Pensava-se que o design de interiores era apenas decoração, o que não é verdade. Envolve a vertente da arquitetura, porque, quando fazemos a reabilitação de uma casa, pensamos nas janelas, portadas, portas, tudo o que é carpintaria fixa... Há uns anos, era o arquiteto quem desenhava e colocava o mobiliário na casa do cliente. Hoje, e sei disto porque o faço, podemos trabalhar em parceria com gabinetes de arquitetura. 

"Os nossos projetos não costumam envolver somente decoração de interiores”
Existirá, atualmente, um maior interesse em solicitar o serviço de um designer de interiores?
Sem dúvida. Atualmente, as pessoas não têm tempo para se dedicarem às casas. A pandemia também pode explicar o maior interesse nos serviços dos designers. As pessoas, como estavam a trabalhar dentro de casa, começaram a perceber que as coisas não estavam a funcionar. Interessante foi a quantidade de projetos que tivemos na pandemia, em que os clientes queriam mudar, nem que fosse um pouco, o seu lar. As pessoas começaram, no fundo, a ter uma perspetiva diferente do espaço onde habitam. Até ali, a vida era corrida e só voltavam à hora de jantar, mas, quando começaram a estar 24 horas sob o mesmo espaço – onde tinham de trabalhar, cozinhar, fazer exercício físico –, começaram a perceber o que estava fora do lugar e o que realmente não funcionava.  

Consegue nomear três dicas para transformar um espaço em algo mais agradável e acolhedor?
Numa cozinha, por exemplo, os materiais têm de ser resistentes e funcionais. A durabilidade do material, aliada à estética, é fundamental. Armários embutidos também. Plantas, sem dúvida. Plantas naturais em todo o lado. A planta é vida, é uma cor que confere harmonia e frescura ao espaço.  

Quem têm sido as grandes referências na sua vida?
Uma das minhas grandes referências é a Graça Viterbo, que desenhava tudo à mão. Em termos de mobiliário, adoro o casal Charles e Ray Eames, que construíram e desenharam as cadeiras mais confortáveis que conheci até hoje. Continuo a usar mobiliário deles, inclusive. 

Para o futuro, que projetos tem em mente?
Este ano, já temos projetos em curso. Estamos a terminar um chalé em Sintra, uma verdadeira surpresa. É um projeto que reinterpreta os elementos clássicos. A ideia não é imitar, mas reinterpretar uma casa do século XIX, que estava bastante deteriorada. Temos também várias residências, que, na verdade, são o nosso forte. Recebi, ainda, um desafio por parte de uma amiga para decorar um restaurante. E temos mais trabalhos. Portanto, são boas perspetivas. Mas também adoro outras coisas. Gosto de fazer ginásio, da vida ao ar livre, de cozinhar e de viajar. Aproveito sempre as viagens para ver a arquitetura dos museus, assim como para assistir a espetáculos... Venho sempre com inspirações, seja de uma igreja ou da casa de uns amigos. Eu faço muitas outras coisas, embora o design de interiores seja a minha maior paixão.
Joana Rebelo
T. Joana Rebelo
F. Nuno Almendra

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