Motores aquecidos para a presente temporada, Tiago Monteiro larga o volante e vem conversar com a TRENDS. O título de único português com lugar no pódio na Fórmula 1 (F1) pertence-lhe, já que nenhum outro luso o sucedeu na grelha, até ao momento. Desde a Gestão Hoteleira, à passagem pela F1, à transição para o topo da categoria dos Carros de Turismo, ao acidente severo de 2017, até às previsões futuras, o portuense abre o seu coração. Já calejado, a vida encarregou-se de lhe mostrar outra realidade, mais delicada e doce, como a de ser pai. Dos dois filhos pouco idênticos, Noah é quem tem seguido as suas pisadas, pelo que o piloto garante ser tudo resultado de "um conjunto de acasos felizes e de oportunidades bem aproveitadas”. Eis Tiago Monteiro, o português de pés assentes na terra, que não se sente afrontado com os anos que lhe restam no ativo.
Tiago Monteiro
"Há mais astronautas do que pilotos a correr na Fórmula 1”
Tinha acabado o curso de Gestão Hoteleira e, num feliz acaso, o desporto automóvel embate na vida do Tiago. Como é que tudo aconteceu?
O desporto motorizado, em geral, foi sempre uma paixão, mas tornou-se uma realidade na altura em que vivi na França. Lembro-me de que o meu pai e um grupo de amigos se tinham começado a dedicar às corridas e eu acompanhava-os em alguns eventos. Até surgir um convite para me juntar a eles numa prova. Enquanto me preparava para essa oportunidade – que não era mais do que uma brincadeira na altura –, fiz um curso de pilotagem com um ex-piloto francês e, de facto, as coisas correram muito bem, tendo em conta a minha inexperiência. Aliás, correram tão bem que o meu pai foi pressionado a deixar-me correr. A partir daí, a história muda um pouco e começaram a surgir outras oportunidades. Dessa fase até à Fórmula 1, sete anos se passaram... Não terá sido por acaso, mas foi um conjunto de acasos felizes e de oportunidades bem aproveitadas que me permitiram chegar até aqui. Estarei sempre muito agradecido a quem comigo deu os primeiros passos.
Foi o primeiro e único piloto português com lugar no pódio da Fórmula 1. Isso ainda acarreta uma grande responsabilidade?
Não sei se diria responsabilidade, mas é, sem dúvida, uma grande honra e um motivo de orgulho. Foi uma longa caminhada até à Fórmula 1 e houve a dificuldade acrescida de ter sido feita em pouco tempo. É um meio muito difícil. Chegar à F1 exige talento e capacidade de agarrar oportunidades no momento certo. Apesar do orgulho que sinto com as conquistas na Fórmula 1, também me entristece o facto de Portugal não ter tido um outro piloto na grelha a suceder-me. Não foi por falta de talento, e isso está mais do que comprovado pelos sucessos que pilotos como o António Félix da Costa têm conquistado, mas é um facto que o país não tem sido capaz de apoiar os grandes talentos que tem.
A história dos pilotos portugueses na Fórmula 1 não é muito feliz. Onde estão as falhas?
A F1 é, sem dúvida, um campeonato muitíssimo restrito. Costumo dizer que há mais astronautas do que pilotos a correr na Fórmula 1. Mais do que apontar falhas, há que reconhecer o trabalho feito por aqueles que lá chegaram. Aliás, basta olhar para as nacionalidades representadas na grelha da modalidade para compreender que, para um país da nossa dimensão e com um determinado historial na modalidade, ter tido a possibilidade de levar a bandeira ao topo do desporto automóvel foi um pequeno feito.
Sobre os percursos propriamente ditos na Fórmula 1, é preciso estar numa boa equipa, com um bom carro, e isso não depende só do piloto. Por ser um meio tão restrito, que move tantas pessoas e dinheiro, a política interna é também muito intensa. O facto de sermos um país pequeno e com meios limitados não nos ajuda a competir com países de maior tradição na modalidade, ou contra aqueles que podem aportar muitos meios na promoção de pilotos. Não quero, com isto, ser fatalista, mas é necessária uma grande capacidade política e uma estratégia clara para tentar infletir esta tendência e levar outro piloto português ao topo da modalidade.
Fazem-se amizades nesta modalidade?
Claro, como em todas as outras modalidades. É um meio muito competitivo, é certo, mas vivemos tanta coisa juntos (pilotos e equipas), que é natural que façamos amizades.
"Depois de ter deixado a Fórmula 1, ainda pensei que fosse possível regressar”
Acabou por procurar novos desafios, numa outra categoria do automobilismo que não a F1. Como foi a gestão emocional, após abandonar o "topo”?
Foi difícil, até porque, depois de ter deixado a Fórmula 1, ainda pensei que fosse possível regressar. O meu último ano na modalidade foi difícil, com mudanças na equipa e um carro muito pouco competitivo. Tornou-se claro que, se não tivesse a oportunidade de progredir, o melhor seria procurar um novo desafio. E assim foi. Após a saída da Fórmula 1, fui convidado a integrar o Mundial de Carros de Turismo (FIA WTCC) e, ali, encontrei uma grande oportunidade. Tive de me adaptar, mas estava perante um campeonato de alto nível, o topo da categoria dos Carros de Turismo, um verdadeiro campeonato do mundo. É sempre difícil deixar a Fórmula 1, mas ao fim destes anos todos penso que foi a escolha certa.
Sofreu um acidente em Barcelona, em 2017, que acabou por lhe roubar a hipótese de se sagrar campeão mundial. Ainda pensa nos "ses”?
Não... e acho que foi essa mentalidade que me permitiu recuperar, voltar ao ativo e ganhar corridas. É certo que estava a ter um dos melhores anos da minha carreira e que, se tivesse tido a oportunidade de continuar, dificilmente teria perdido o campeonato, mas isso também me motivou a acelerar o processo de recuperação. Visto a esta distância, naquela altura, era uma loucura achar que poderia voltar a correr em 2017, mas eu acreditava que seria possível. Lembro-me de que a probabilidade de voltar ao normal era muito baixa e a de regressar à competição era praticamente nula. Foi mais de um ano de recuperação, dezenas de médicos, centenas de tratamentos e horas incontáveis de treino e fisioterapia. Tive a sorte de ter uma grande equipa e um grande apoio por parte da minha família. Mais do que ter perdido esse campeonato, hoje, penso na vitória que foi voltar a uma vida normal, que me permitiu regressar à competição e aos pódios.
Quais são as expectativas para a presente época?
Está a ser uma época bastante atípica. O campeonato em que participava terminou e o mundo dos Carros de Turismo está em grande transformação. Antevendo isso, a Honda, com quem mantenho relação, abandonou o programa do Mundial de Turismos e está a avaliar outras opções. Estou expectante quanto a um futuro próximo e à possibilidade de voltar às pistas o mais rápido possível. No entanto, é um orgulho continuar associado a esta grande marca, que represento há mais de 10 anos. Resta-me aguardar o programa que o Japão tem definido para mim.
"Andamos no limite de um carro e de uma pista e discutimos pequenas frações de segundo a cada curva”
Espera melhorar a performance este ano?
Melhorar a performance é sempre a ambição. O dia em que não sentir essa vontade, ou quando os maus resultados não me deixarem desconfortável, será o dia em que a decisão de terminar a carreira será tomada.
Já na pista, a sorte também entra em jogo?
Entra sempre! Andamos no limite de um carro e de uma pista e discutimos pequenas frações de segundo a cada curva. Controlar todos os fatores é impossível, pelo que ter a "estrelinha” do nosso lado é sempre um fator importante.
Considera-se um piloto calculista ou é de correr riscos?
Ambos. Há circunstâncias em que tenho de ser mais cauteloso e outras em que tenho de arriscar tudo. Com a experiência, aprendi a gerir melhor esses momentos e a tomar decisões mais ponderadas, mas continuo a assumir riscos. Ao fim destes anos, continuo a sentir que, quando posto o capacete na cabeça, sentado dentro do carro com mais de 60º de temperatura ambiente e na pressão da corrida, o instinto é o mesmo.
Tem algum ídolo?
Não tenho ídolos, mas há certos atletas e personalidades que foram uma inspiração para mim. Não necessariamente "figuras do passado”, mas até contemporâneos meus que, por uma razão ou por outra, são uma inspiração e me desafiam diariamente.
"Mais do que ter perdido esse campeonato, hoje, penso na vitória que foi voltar a uma vida normal”
Melhorar a performance é sempre a ambição. O dia em que não sentir essa vontade, ou quando os maus resultados não me deixarem desconfortável, será o dia em que a decisão de terminar a carreira será tomada.
Já na pista, a sorte também entra em jogo?
Entra sempre! Andamos no limite de um carro e de uma pista e discutimos pequenas frações de segundo a cada curva. Controlar todos os fatores é impossível, pelo que ter a "estrelinha” do nosso lado é sempre um fator importante.
Considera-se um piloto calculista ou é de correr riscos?
Ambos. Há circunstâncias em que tenho de ser mais cauteloso e outras em que tenho de arriscar tudo. Com a experiência, aprendi a gerir melhor esses momentos e a tomar decisões mais ponderadas, mas continuo a assumir riscos. Ao fim destes anos, continuo a sentir que, quando posto o capacete na cabeça, sentado dentro do carro com mais de 60º de temperatura ambiente e na pressão da corrida, o instinto é o mesmo.
Tem algum ídolo?
Não tenho ídolos, mas há certos atletas e personalidades que foram uma inspiração para mim. Não necessariamente "figuras do passado”, mas até contemporâneos meus que, por uma razão ou por outra, são uma inspiração e me desafiam diariamente.
"Mais do que ter perdido esse campeonato, hoje, penso na vitória que foi voltar a uma vida normal”
Certamente que passa mais de metade do tempo fora de casa. Como concilia a situação familiar com a profissão?
Nem sempre é fácil e há momentos que são mais complicados. Mas a minha vida é assim há muito, já olho para a situação com normalidade. É certo que passo muito tempo a viajar, mas, quando estou em casa, tento dedicar-me por inteiro à família. Tenho sorte em ter o apoio deles, foi essa força que me permitiu continuar no ativo.
E os filhos, começam a revelar vontade de seguir as pisadas do pai?
Sim e não. A Mel tem outras paixões e talentos, pelo que tem muito sucesso noutras áreas. O Noah é que já tem dado provas no karting. Este ano, tornou-se piloto oficial de um dos maiores construtores mundiais e tem feito um percurso impressionante na modalidade.
Na presente fase de vida, já começa a pensar em quando dará por finalizada esta etapa no mundo do automobilismo? Quando a hora surgir, pensa dedicar-se a outra atividade?
Ainda não sinto que tenha perdido a vontade e a determinação de entrar em pista. Sei que, após uma carreira tão longa e preenchida, me faltarão menos anos no ativo dos que os que já vivi, mas ainda não penso em parar. Ainda assim, nos últimos dez anos, já tenho tido outras atividades paralelas e, no futuro, será numa dessas que me irei debruçar. Tenho trabalhado como manager de alguns pilotos com percursos muito relevantes na modalidade e, chegando o momento de terminar a carreira, o objetivo passará por aí.