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Vítor Vitorino

"Vivo intensamente todas as horas da arquitetura”

Descontraído, conversador e ousado nos seus projetos, Vítor Vitorino cedo se apaixonou pela dança, mas foi na arquitetura que apostou tudo. Hoje, é reconhecido pelos muitos projetos que desenvolveu ao longo da carreia. Vitorino pensa muito além. Viaja em busca de mais conhecimento, gosta de conhecer outras culturas e encanta-se com projetos arquitetónicos de todo o mundo. Inspira-se no que vê, com o que sente e no inesperado. Desafia a sua criatividade sempre que surge um novo projeto, levando consigo a experiência de mais de 20 anos. Gosta de passar despercebido, ainda que, atualmente, se veja a ser mais falado por ter a seu cargo o projeto da moradia de Cristiano Ronaldo, em Cascais. Não se define enquanto estilo, porque facilmente se adapta ao que o cliente procura. Vive para a arquitetura. Mas tem em mente um dia ‘desligar a ficha’ e ter mais tempo para fazer o que também o preenche, a canoagem, que sempre que possível pratica. Em entrevista à TRENDS, falou do antes, do agora e do futuro. Vamos conhecê-lo, nas linhas que se seguem e no vídeo da entrevista, disponível online.

Sempre sonhou com arquitetura?
Sempre. Desde muito jovem. O meu pai era desenhador de construção civil (nome do antigo curso). Sempre vivi no meio dos projetos e, apesar de ter havido um tempo em que me afastei um pouco, até mesmo da escola, o meu primeiro projeto foi aos 13 anos. Estive um tempo envolvido na dança, mas depois houve um dia em que tive de abandonar completamente a parte da dança e seguir arquitetura. Já não dava para criar as duas coisas.

Que tipo de dança? 
Era o hip hop e a aeróbica. Tudo tinha que ver com o criar as coreografias, e isso é como na arquitetura, é espontâneo. Nunca montava coreografias, era o que saía na hora. Rapidamente, vi-me a dar aulas e a fazer espetáculos, a montar coreografias para grupos, até à criação do Dance 4 Kids (que é conhecido no Porto). Durante um tempo, conciliei as duas coisas, mas depois tive de optar, e fui para a arquitetura. 

Aos 13 anos, criou o primeiro projeto. Que projeto era esse?
Uma moradia, em Vila Chã. Gostava de ir para o escritório fazer o desenho e, por isso, começou cedo o meu gosto por criar. Além disso, tinha tios que eram ligados às artes, às pinturas, e que, de certa forma, me incentivaram e ajudaram, inclusive, na altura da faculdade. Eu era muito preguiçoso, sempre fui um baldas e nunca gostei de estudar (risos). Só tinha mesmo o objetivo de ter o curso para poder exercer, porque a vocação eu já a tinha. Se não fosse necessário, acho que não o tinha concluído. Sinceramente, não consigo retirar nada de um curso de arquitetura, e lamento o que digo, mas é uma realidade. Acho que o que se ensina não é aquilo que é a vida real, e é pena.  

Fazer arquitetura tira-o da sua zona de conforto ou é algo pelo qual vive intensamente? 
Vivo intensamente todas as horas da arquitetura. Acordo durante a noite e penso nos meus trabalhos. O meu ginásio é uma passadeira, sempre com o ecrã à frente, onde vejo programas sobre casas, luxo, tudo o que é excêntrico... Apanho sempre qualquer coisa e adoro ver trabalhos de arquitetura de colegas. Como estou a fazer casas tão diferentes, de culturas tão diferentes, tenho necessidade de devorar todos esses estilos. Absorvo tudo do cliente e vou à procura de o satisfazer. 

Qual é o traço do VVARQ?
Neste momento, nem me consigo definir num estilo. Por exemplo, estou a fazer algumas casas de betão à vista que nunca pensei fazer, porque não gostava, e estou a gostar da mistura da madeira com o betão. Outras vezes, tento contrariar com mármores. Num dos meus projetos em Cascais, na Quinta da Marinha, estou a trabalhar com o travertino cinzento, mas regoado, com ácidos, para ir buscar a textura e a cor do betão, e estou também a trabalhar com o pau rosa. 

"Acho que quem me procura sabe como é que eu trabalho”

Quais são os principais desafios que o arquiteto encontra durante o tempo em que está a idealizar o projeto e, depois, no acompanhamento desse mesmo projeto, mas já no terreno?
Temos vários desafios. Só começo a criar um projeto quando já o tenho na cabeça. Em primeiro lugar, crio algo tridimensional, depois vou para o computador e vou pensando, vou vivendo naquilo, e só quando sinto que aquela casa poderia ser a minha casa e que, por aquilo que eu absorvi dos clientes, poderia ser a casa deles também, é que eu o apresento. Às vezes, é engraçado como, com projetos tão simples, casas tão pequenas, eu estou imenso tempo até sentir o clique e, por outro lado, de repente, com casas enormes, sento-me e... [o que eu vou dizer não devia dizer (risos)] numa tarde faço o projeto. Na realidade, não o fiz numa tarde, se calhar, andei a pensá-lo desde o dia em que tive a primeira reunião com o cliente, e aquela casa passou à frente das outras todas, porque, naquele dia, houve um clique. Então, a vontade é sair do resto e entrar naquele momento. E é giro, porque, por vezes, as pessoas dizem: "Ainda agora recebeste o convite para este projeto e já está pronto...!”. É a arte de quem cria. Acho que quem me procura sabe como é que eu trabalho. E eu não gosto de abandonar os meus projetos, gosto de os levar até ao fim. Só vivo com as obras, não consigo ficar sem lá ir todos os dias. Os meus amigos são os encarregados, os engenheiros e todo o pessoal que trabalha na obra. Isso é a minha vida. É o que me apaixona mais. Ao fim da tarde, vou ao ginásio, ‘desligo a ficha’ e, depois de jantar, volto a ligar, pela noite dentro. 

Fazer arquitetura obriga-o a viajar muito, conhecer outros lugares, outras culturas, outras realidades. O que é que absorve desses momentos?
Quando viajo e saio, seja a trabalho ou a lazer, só gosto de ir para sítios giros, porque para eu sair do meu ritmo, do meu lugar, tenho de ir para onde possa absorver coisas novas, que me vão acrescentar algo. Tento ir para sítios onde possa visitar espaços e onde possa absorver ideias que acompanham o nível em que eu estou neste momento, bem como o estilo e o tipo de clientes que eu tenho. Essas são as minhas viagens, por isso, as recordações só podem ser boas. Tento viajar para sítios que posso recomendar também aos clientes. Quando quero transmitir uma ideia ao cliente, principalmente quando esse cliente tem um determinado estilo, conceito, e para eu facilmente o encaixar na minha ideia, mando-o visitar um hotel, um espaço, que tenha tudo que ver com ele. O cliente vai, absorve e, muitas das vezes, quer quase que copiemos o hotel para o seu conceito de casa (risos). Depois trabalhamos a ideia, mas procuramos criar algo que sabemos que o cliente vai gostar. Tem-me acontecido várias vezes. Isso obriga-me a viajar. 

Alguma vez imaginou ver o salto que a sua vida deu, no que toca à arquitetura?
Sei que muitos dos convites têm vindo pelo facto de eu estar, neste momento, a trabalhar com a figura Cristiano Ronaldo. Estou a fazer a casa dele, mas não gosto desse rótulo. Tudo o que tenho alcançado não tem apenas que ver com o trabalho que tenho feito com ele, ao longo destes quatro anos. Já fiz algumas coisas com ele, é certo, desde o apartamento de Lisboa, do Castilho, a famosa marquise; à casa de Cascais e à de Turim. Mas, antes de haver Cristiano, já havia o Vítor e o Vítor sempre foi assim. Já fazia casas incríveis e já tinha projetos a desenvolver em obra. Agradeço-lhe tudo o que tem surgido e as facilidades, porque, como sabemos, é a figura que é, mas, para mim, isso até não é o principal. Apreendi a controlar o ego e isso é algo que lhe agradeço muito, porque trabalhar o ego talvez seja a coisa mais difícil na vida e ele é o maior exemplo de quem o consegue fazer. Eu fui obrigado a controlar o meu, desliguei dessa explosão do nome, e, por vezes, até me esqueço de que estou a trabalhar para o Cristiano Ronaldo. 

Sonhamos com casas deslumbrantes, grandes, boas áreas, jardim, design. Aos seus olhos que importância tem hoje a casa na vida das pessoas?
90% das minhas casas tem um programa. Costumo dizer que é o programa do sonho, para as famílias que atingem o sonho e o objetivo da vida delas, de chegarem àquele ponto, de construírem uma casa com tudo, que lhes proporciona qualidade de vida. Dá-me muito prazer fazer esses estilos de casas. Se formos a falar em termos de áreas, acho que a casa mais confortável é uma casa com 300 m2 no máximo. Aliás, nem consigo perceber como é que as pessoas conseguem viver em casas tão grandes. Mas, quando as casas têm muita luz, muita vivência, e são muito transparentes com a natureza, é incrível. Tenho uma casa, foi a minha primeira grande casa, que está em Penha Longa e é um projeto incrível. Aquilo é uma transparência, estás no meio da natureza, a casa tem vidro de um lado, do outro, rocha de um lado, jardim do outro, até nos esquecemos de que estamos dentro de uma casa com dois mil e tal metros quadrados. 

"Sei que muitos dos convites têm vindo pelo facto de eu estar, neste momento, a trabalhar com a figura Cristiano Ronaldo”
Grande parte dos seus projetos estão centrados numa zona de Portugal. 
Neste momento é na zona de Cascais, onde tenho o meu foco, onde estão grande parte dos meus projetos. É onde tenho apostado viver, durante cinco dias da semana. Também tenho projetos no Algarve, no Norte, no Douro, e aceitei um desafio na Covilhã [transformar uma fachada de um shopping]. Por vezes, aceito estes desafios para fugir um bocadinho, para ir até ao interior de Portugal, que eu adoro. 

Durante o processo criativo, qual é o fator que mais tem em conta?
A arrumação/conforto. Devem-se marcar bem os espaços e os ambientes, para que os espaços não sejam exageradamente grandes, perdidos, áreas vazias, com falta de arrumação. As casas vão evoluindo conforme o pensamento e vivências das pessoas. Hoje, é engraçado perceber que já não chega uma cozinha, têm de ser duas. Antigamente, havia a cozinha do anexo e a cozinha de casa, que praticamente não se usava, para se manter limpa. Atualmente, existe a cozinha do chef, a cozinha limpa, o show cooking, que é na zona de jantar [uma novidade que toda a gente quer, para poder chamar um chef a casa, para servir um sushi, por exemplo]. E isto é evoluir. É quase trazer a hotelaria para dentro de casa. Havendo possibilidade, é maravilhoso.

Nesta edição da TRENDS temos um especial "A cozinha do chef”. No seguimento da resposta anterior, leva-nos a questionar se hoje já se pensa um projeto arquitetónico a partir do conceito da cozinha? 
Sim, muitos começam por aí. Inclusive até já tenho incluído, em apartamentos novos, a cozinha do chef. É aquele espaço onde se confeciona o assado, os fritos, aquilo que deixa mais cheiro, e onde a própria cozinha tem um conceito mais industrial. Utilizam-se materiais que podem não ser tão bonitos, mas são mais resistentes, assim como os equipamentos. Depois, há a outra cozinha, a chamada cozinha limpa, a bonita, que vai durar mais, porque não se estraga tanto. Eu aprendi a dar valor à cozinha, antes não o fazia tanto. Realmente é uma área que se estraga muito, por isso é necessário ter cuidado, e eu tento demonstrar isso ao cliente, por ser um espaço da casa em que se deve mesmo investir. 

O tempo é o seu maior amigo ou inimigo?
Amigo. Tenho tempo para tudo. Vou duas vezes por dia ao ginásio (risos). Como vivo muito sozinho, na solidão, no meu espaço, o tempo dura-me mais. Se todos os dias tivesse de fazer o papel de pai, não teria tanto tempo, mas acho que o meu filho me vai desculpar por isso. 

"Atualmente, existe a cozinha do chef, a cozinha limpa, o show cooking, que é na zona de jantar. E isto é evoluir”

Vê-se a fazer arquitetura até quando? 
Vou dizer uma coisa, não sei se vai acontecer, mas, daqui a cinco ou seis anos, cá estaremos para falar. Eu gostava de um dia ‘desligar a ficha’. De poder fazer só para mim, só criar. Gostava de chegar a esse ponto. Sei que é muito difícil dizer "não”, mas gostava que assim fosse. Gostava de um dia andar a caminhar no Gerês, fazer canoagem de manhã à noite e visitar as casas que projetei. Têm sido muito intensos estes anos, temos de saber lidar com muitas artes, muitas especialidades, muitas pessoas, com muita gente que falha, muitos atrasos, muita pressão... E isso é muito desgastante, principalmente quando tens 30/40 obras em curso. 

Que olhar tem sobre o futuro da arquitetura e nomeadamente dos arquitetos?
Tenho visto, cada vez mais, projetos espetaculares e gente fantástica a fazer coisas incríveis. Cada vez se veem mais definições dos estilos. Nem toda a gente é como eu, que se adapta, não, alguns marcam o seu estilo e é aquilo, e as pessoas recorrer a eles porque eles têm uma linguagem própria. Uns porque gostam mais do betão, outros mais de madeira, etc. Acho que em termos de arquitetura é tudo para melhorar. Hoje, tudo tem regras. Apesar de não ser uma profissão fácil, e isso nota-se logo na faculdade. Começa-se com 12 turmas, no primeiro ano, e, no último, só existem duas. As outras 10 vão desistindo. Porque já o curso é muito intenso. Tem mesmo de haver uma paixão. 
Prefere casa de campo, de praia ou de cidade?
Campo. 

Casa moderna ou rústica?
Moderna. 

Casa em tons claros ou escuros?
Claros.

Casa em betão ou madeira?
Madeira. 

Prefere o interior ou o exterior da casa? 
Interior. 

Privilegia uma casa térrea ou de andares?
Térrea. 

Prefere apartamento ou moradia?
Moradia.
https://www.youtube.com/watch?v=FyEOmw3BWKk
Maria Cruz
T. Maria Cruz
F. Nuno Almendra

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