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O desenho à mão numa era de tecnologia

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Como arquitetos, sabemos que o desenho é a nossa linguagem, a nossa forma de comunicarmos. É esta a razão pela qual o desenho está ligado ao raciocínio: podemos aprendê-lo, percecioná-lo, e em tudo isto existe uma parte que nos traz uma certa satisfação e, ao mesmo tempo, nos provoca, tal como acontece em qualquer outra disciplina artística.
Esta, a nossa linguagem, faz-nos responsáveis pelas toneladas de peso contido no instante em que o lápis se põe em contacto com uma folha. É o nosso património vivo num traço que, como uma afiada faca, atravessa a pele e fica. Desde o momento em que o traço aparece passa a ser da nossa responsabilidade, porque só nós sabemos o que acontece entre a linha e o papel. O lápis é uma extensão da nossa mão e sempre que o desembainhamos temos a possibilidade de escolher a nossa atitude perante a folha: a nossa predisposição para sermos formais e mais corretamente semânticos, ou para termos a genuinidade de só nos querermos expressar segundo o que sentimos. 
Desenhar não deixa de ser um exercício, um processo onde damos forma a um conceito e libertamos uma ideia que estava dentro de nós. Estamos a tratar de dizer ao mundo como vemos ou queremos as coisas, como já acontecia com as pinturas rupestres, onde as paredes das cavernas eram um registo de como era visto o mundo naquela altura.
Projetar no papel obriga-nos a recorrer às nossas experiências, a sentirmo-nos confortáveis e firmes para abraçar a ideia de que agora somos donos. É por isto que podemos falar do desenho em termos de pensamento gráfico, porque quando desenhamos estamos a pensar, apoiados pelos traços que vão aparecendo e fundamentam as nossas decisões de projeto. Podemos falar então de simbioses entre o ato de pensar e o ato de desenhar.
Claro que, neste século, a tecnologia e a máquina têm o seu lugar. A revolução tecnológica veio para mudar o processo de trabalho. As referências visuais já não são aqueles livros e revistas: agora acedemos às referências visuais muito mais rapidamente e, até certo ponto, sem o sentido da escolha e da responsabilidade. Há todo um mundo de possibilidades e isto pressupõe certas mudanças nos processos de hierarquização e seleção das referências formais no desenho e no processo criativo.
A ideia, conceção e criação de um conceito é um ponto que, como arquitetos, deveríamos poder atingir. O uso intensivo da tecnologia persuade-nos a desaproveitar esta oportunidade de sentir o projeto como algo visceral. O tempo em que somos donos do lápis é todo um tempo em que somos abençoados com a capacidade de tomar decisões razoáveis, firmes e quase carnais. Desenhar não é só uma conversa entre o lápis e o papel, mas um tempo de reflexão e pensamento entre nós e o espaço-tempo. No caso da máquina, fazer um clique pressupõe apenas um instante e, desafortunadamente, traduz-se num raciocínio perto do zero. Produz-se um desligar físico e mental do elemento ideia como ponto central do processo criativo, e ficamos no limbo de não saber quem é realmente o portador da ideia. A realidade digital escapa-se de nós: não nos pertence, não conseguimos passar-lhe um papel de esquisso para estudar outras possibilidades. No desenho à mão existe este momento: colocamos sucessivas camadas por cima do desenho arquitetónico até formar uma espécie de palimpsesto gráfico. O processo da máquina é diferente, embora consigamos produzir mais rapidamente outras hipóteses de uma realidade. O processo evolutivo é menos palpável e o recurso de apagar é menos laborioso.Contudo, seria um grave erro não apreciar o avanço que pressupõe a tecnologia e a máquina dentro destes processos. Desde há já algum tempo é claro que a aparição dos softwares de desenho em 2D e 3D representa uma clara poupança no tempo de produção. E aqui revela-se qual é o ponto: no processo, o momento em que nos encontramos guarda relação com a efetividade da ferramenta que usamos. É importante saber o momento em que a mão humana tem de ser rendida pela máquina, e é importante saber diferenciar entre uma fase prematura de conceito e uma fase avançada de produção. Temos de dar a cada ferramenta o posicionamento que ela tem.
Por isso, nesta era da tecnologia, é preciso ter sentido comum para esclarecer estes dois processos e perceber que um não pode condicionar o outro. O desenho à mão e na máquina devem coexistir como uma responsabilidade que temos de assumir enquanto arquitetos, para abraçar o nosso legado e deixar que o nosso património perdure, mantendo o foco, para que, através dos desenhos, o nosso processo não deixe de ser humano, mas também para que seja cada vez mais eficaz mediante a tecnologia.
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